Programador: por que você quer empreender?
Você acaba de sair da reunião de planejamento do sprint. A mesma ladainha de sempre. Um monte de cards para entregar, mas você sabe que o time não vai conseguir. É claro… o software é legado. Em Java. Toda hora pipoca um novo bug e todo mundo tem que parar tudo o que está fazendo e correr para apagar o incêndio.
Você já está de saco cheio disso. Pensa em mudar de emprego. Será que vai funcionar? Nas últimas duas empresas em que você trabalhou foi a mesma coisa. No começo é legal, depois é só problema para resolver. Que situação chata.
Hora de colocar a mão na massa. Mas, antes de atacar a primeira issue, uma olhada rápida nas redes sociais. Você vê aquele garoto que lançou um MicroSaas e agora está faturando 10k por mês. Em dólar. Dá uns R$ 45k por mês. Desenvolvendo o que ele quer. Na linguagem que ele gosta. Você pensa: "A vida dele é bem mais legal que a minha."
Então, você começa a divagar. Imagina que legal poder criar o seu próprio produto! Não teria o chato do Scrum Master no pé cobrando porque o time não conseguiu entregar uma sprint impossível de terminar. Não teria que ficar usando linguagem velha, framework antigo, ficar dando manutenção em código legado…
Seria um sonho. Você iria trabalhar somente melhorando o seu produto, a sua criação. Não deve ser tão difícil chegar nos $10k/mês de faturamento. Aquele garoto chegou super rápido. Assim que ele lançou, o produto fez sucesso. Imagina que legal: ser famoso no Twitter. O pessoal te parabenizando pelo seu MicroSaaS.
"Quer saber. Eu vou agir!"
Você decide usar seu tempo livre para desenvolver o seu próprio SaaS. Investe uns 2 meses planejando todo o produto. Mais uns 2 meses pra fazer a primeira versão. Ficou legal, mas ainda falta muita coisa. "Deixa eu melhorar um pouco antes de lançar". Mais 1, 2, 3 meses. Pronto. Agora sim está legal!
Você lança, divulga entre seus amigos, no Product Hunt e nos grupos de Telegram que participa. Vêm alguns usuários. Mas apenas 2 decidem pagar. Não é como esperado, mas ok. Passados um mês, mais dois pagantes. Muitos usuários free. Pouquíssimos pagantes. Bem menos do que o esperado.
Agora você se vê sem tempo livre, tendo que trabalhar para resolver problemas no trabalho de dia e dar suporte para os usuários do seu software a noite.
O que aconteceu de errado?
O mito do programador empreendedor
A história acima é fictícia, mas baseada em fatos reais. Já aconteceu algo similar comigo. Algumas vezes.
Desde a minha juventude eu sonhava em ter o meu próprio negócio. Eu sonhava com o mito de ser o programador que atingiu o sucesso empreendendo. Depois de alguns anos trabalhando como programador eu pensei: "Sou muito bom programador. Então vou trabalhar para os outros e fazer meu próprio software".
No livro "O mito do Empreendedor", o autor Michael Gerber abre sua obra explicando a (falsa) suposição fatal feita por todo profissional técnico que resolve abrir seu próprio:
"Quem entende o trabalho técnico de uma empresa entende a empresa que faz o trabalho técnico".
Suposição fatal por não ser verdadeira e por ser o maior motivo de fracasso desse tipo de empreendedor. Essa mesma falsa suposição acontece com programadores. Saber programar é completamente diferente de saber criar uma empresa que faz software.
Por causa dessa falsa suposição você abre uma empresa para viver do que ama e acaba fazendo suporte, financeiro, RH, vendas, jurídico, administrativo… tudo menos programar.
Além disso, outra falsa suposição habita a cabeça do programador empreendedor novato: "O meu software não vende bem porque tem poucas funcionalidades."
O usuário comenta que "seu software é ótimo, mas só falta gerar esse relatório específico". Você, ouvindo isso, corre para implementar essa nova feature. Você implementa e o usuário não compra. Esse processo se repete.
Será que esse é o melhor caminho?
Programar é apenas uma (pequena) parte do seu empreendimento
A maior virtude de um programador é conseguir enxergar automatização em tudo. Essa virtude, em muitos casos, também pode ser o seu maior defeito.
Por ter essa visão muito técnica e muito acima da média, o programador tende a enxergar a automatização como o software que as pessoas precisam. Com essa visão na cabeça, ele parte para o código e começa a desenvolver o melhor produto que ele possa imaginar. Mas o melhor produto para quem?
A primeira e mais básica lição de empreendedorismo que você, programador que deseja elevar sua capacidade de visão estratégica, precisa saber é:
Nunca comece pelo produto. Sempre comece pela dor.
Pela dor? Como assim?
Como expliquei na primeira edição da minha newsletter, o ofício de um empreendedor é resolver problemas. Uma dor nada mais é que um problema a ser resolvido.
Para cada problema a ser resolvido existe uma oportunidade de mercado. O ser humano compra por dois motivos: para satisfazer os seus desejos e para fugir da dor. Software, via de regra, se enquadra na segunda categoria.
O seu primeiro trabalho ao começar a tirar uma ideia do papel não é programar, mas sim validar esta oportunidade de mercado. O quanto dói este problema que você pretende resolver? Quanto as pessoas estão dispostas a pagar para resolver este problema? Quantas pessoas possuem este problema? O quão difícil vai ser resolver este problema?
Responder perguntas como essa é o caminho para encontrar a viabilidade financeira para o produto que você deseja criar. Não precisa ser uma oportunidade de bilhões de reais e milhões de usuários. Precisa ser a viabilidade financeira que você procura.
Quanto você pretende ganhar de dinheiro com esse produto?
A importância de saber onde quer chegar
Responder essa última pergunta nos leva ao ponto principal deste artigo. Por que você quer empreender? Responder essa pergunta é crucial para definir seus próximos passos.
Você quer empreender para ganhar mais dinheiro? Saiba que, estatisticamente, dá para ganhar muito mais dinheiro evoluindo na sua carreira como programador Além disso, você pode buscar alavancagens, como, por exemplo, trabalhar para o exterior ganhando em dólar.
Você quer empreender para buscar uma fonte de renda passiva? Esqueça isso. Construir software dá trabalho, dar manutenção em software dá trabalho e manter um produto que necessita de suporte dá mais trabalho ainda.
Você quer status? Quer ser reconhecido por fazer um produto foda? Saiba que apenas uma pequena parcela recebe os louros por suas criações e isso é muito mais fruto de autopromoção do que reconhecimento externo. O seu reconhecimento deve ser o seu cliente satisfeito com seu problema resolvido.
Você quer liberdade? Saiba que, ao empreender, você deixa de responder a um chefe e passa a responder para dezenas, centenas ou até milhares de chefes, que são seus clientes.
O meu motivo para empreender foi a ânsia de criar algo significativo. De realizar. De fazer. Desde pequeno eu sinto que não me encaixo na maioria das estruturas pré-estabelecidas pela sociedade. Eu sempre fui muito ambicioso. Não só por dinheiro, mas por conquistas também. Por realizações. Escolher empreender, mesmo que de forma inconsciente, foi uma forma de dar vazão a esse sentimento.
E você: por que quer empreender?
Esta foi mais uma edição da minha newsletter.
O meu objetivo, com essa newsletter, é ajudar programadores que desejam empreender mas ainda possuem uma visão muito técnica e pouco estratégica.
Além disso, pretendo também compartilhar outras coisas, como um pouco dos bastidores da construção de um negócio SaaS, as minhas opiniões e meus aprendizados. A ideia geral é ser uma documentação pública e estruturada dos meus aprendizados ao longo dos anos.
Portanto, se você se interessa por empreendedorismo, desenvolvimento pessoal e opiniões relativamente polêmicas, sugiro que você se inscreva para receber as próximas edições.