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Fiz faculdade pública, e concordo que tem professores "carrascos" que pareciam gostar de reprovar todo mundo. Mas esses eram exceção. A maioria se importava com os alunos (eu não via tão claramente na época, mas hoje percebo que era assim; só não era do jeito que eu imaginava). A questão é que todos pegavam pesado porque não queriam que a gente só decorasse como usar o framework da moda. Eles queriam que a gente aprendesse os fundamentos (algoritmos, estruturas de dados, etc), que serão muito mais importantes ao longo da carreira. Claro que eles não têm a mesma didática de professores de cursinho, mas aí - imagino - existem mais razões do que sou capaz de enumerar.

Só pra citar um caso, teve um professor que dava provas valendo mais que 10 pontos (isso mesmo), mas ele queria que a gente aprendesse, então pegava pesado mesmo assim (e pelo que me lembro, ninguém (ou quase ninguém) conseguiu tirar mais que 10, aliás). Se ele só quisesse reprovar, não faria isso. Passar foi difícil, mas foi um dos melhores professores que tive. É claro que eu penso se não deveria ter sido menos doloroso e traumático, mas no fim adquiri muito conhecimento de base que uso até hoje. Não sei se mudaria a forma dele trabalhar só para agradar a turma e deixar o curso mais fácil e "motivador". Muitas vezes o fácil acaba te enganando, te dando a falsa impressão de estar aprendendo algo, e isso te ferra lá na frente.

Acho que um dos problemas é que muita coisa que a gente estuda na faculdade tem um ganho indireto e no longo prazo. Na hora que vc está lá estudando, é difícil perceber. Depois de alguns anos de formado, ainda não é tão fácil. Só depois de muito tempo vc percebe que toda aquela "teoria inútil" te deu um entendimento mais profundo sobre como e porque algumas coisas funcionam e outras não (indiretamente isso te ajuda a não perder tempo com soluções reconhecidamente ruins, por exemplo, e também cria o hábito de tentar fazer certo logo de início). O pensamento matemático te dá capacidade de abstrair problemas, pois no fundo o que fazemos é criar abstrações e "traduzi-las" para código. Sem abstrações corretas, fica muito mais difícil programar. E sem uma base matemática forte, vc não consegue nem criar abstrações.

De forma bem resumida, o pensamento matemático serve para moldar seu cérebro para que ele saiba duas coisas: aprender a aprender, e resolver problemas. A primeira serve para não ficar preso ao framework da moda, então se surgir outro no futuro (pois sempre surge), vc consegue aprender rapidamente (saber os fundamentos é essencial pra isso também), e a segunda é o que na verdade fazemos na nossa profissão: a gente entende o problema, analisa as soluções e em algum momento materializa essa solução escrevendo código. Se o curso foca somente no código, ensinando receitas de bolo do framework da moda, está deixando de lado a maior parte do que fazemos no dia a dia. Isso é um erro, e alunos que pedem pro curso ter somente isso não tem noção do quanto estão equivocados (mas tem curso que faz isso, e aí temos uma legião de configuradores de framework - o exemplo clássico é "não sei fazer em JS puro, só em [insira o framework da moda aqui]").

E mesmo que vc não vá usar diretamente a teoria, não dá pra dizer que tudo é inútil. Só pra citar alguns exemplos, álgebra relacional deu origem ao SQL, grafos são usados para várias coisas (desde o Git até o seu GPS, passando por redes sociais e alguns tipos de banco NoSQL), e por aí vai. Graças aos "teóricos" vc pode se dar ao luxo de chamar um simples sort e este ser relativamente rápido (muita teoria foi gasta pra chegarmos nos algoritmos de ordenação que temos hoje). O mesmo vale para gerenciadores de dependências, algoritmos de busca (como verificar se uma string está contida em outra), enfim, muita coisa que hoje existe pronta surgiu porque algum teórico usou muita matemática pra chegar nos algoritmos que temos hoje. Até seu "sisteminha CRUD" (seja diretamente, ou em alguma dependência da dependência) usa alguma coisa que veio diretamente da matemática, criada por um cientista da computação que se valeu da teoria que vc acha inútil. Você pode até não precisar implementar na mão, mas não seja ingênuo de achar que toda aquela teoria é inútil (ou "só porque vc não sabe pra que serve, não quer dizer que é inútil").


Pra finalizar, tem o outro lado: também existe muita faculdade particular ruim. Tem várias do tipo "pagou-passou", que os alunos gostam porque não reprovam, mas também não aprendem nada e só vão perceber que isso é ruim quando for tarde demais. Conheço gente que deu aula em uma dessas faculdades, e o relato é desolador. Um disse que o dono da faculdade deixou bem claro que era pra passar todo mundo senão "eles desistem e a gente perde dinheiro". O cara começou a pegar muito leve, mas mesmo assim vários não passavam. Ele saiu pq disse que se pegasse mais leve ainda, ninguém aprenderia nada. Mas os alunos ficariam felizes, né?

Quando a gente tá na faculdade, tem muita coisa que a gente nem faz ideia que existe, e por isso não percebe a importância (tem vários que nem anos depois percebem isso, é triste). Claro que o currículo tem que ser revisto e atualizado, mas será que o aluno que acabou de entrar e não tem nem 1% do conhecimento da área é o mais indicado para dizer tudo que a faculdade deveria ou não ensinar? Fica a reflexão...

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