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Mais um dia, mais um post sobre estoicismo para a lista:

A expressão "Questione tudo" é geralmente associada ao ceticismo. É a doutrina que questiona a capacidade da mente humana de realmente conhecer algo. Associar esse tipo de ceticismo, principalmente como estilo de vida, a Descartes e ao estoicismo é objetivamente mentiroso.

Descartes quer um ponto de partida seguro para a filosofia, algo que possa ser conhecido com certeza. A dúvida sistemática é algo que vem antes desse começo.

"Mas, na medida em que a razão já me persuade a me abster de assentir a ideias que não são inteiramente certas e indubitáveis, assim como de aceitar aquelas que me parecem manifestamente falsas, se posso encontrar em cada uma alguma razão para duvidar, isso será suficiente para justificar o meu ato de rejeitar o todo."

— Meditações Metafísicas, 1ª Meditação

Ele quer algo verdadeiro mesmo que todas as percepções sejam ilusões, mesmo que todas as certezas sejam falsas, e mesmo que existam infinitos universos paralelos com regras próprias. Mesmo que você seja apenas um cérebro preso em uma simulação ou esteja em um sonho. Esse "algo" é a unidade entre ser e pensar.

"Mas se existe algum enganador, muito poderoso e astuto, que sempre emprega sua engenhosidade para me enganar. Então, sem dúvida, eu existo também se ele me engana; e, por mais que ele tente me enganar, nunca poderá fazer com que eu seja nada enquanto eu penso que sou algo. Assim, após refletir bem e examinar todas as coisas com cuidado, devemos chegar à conclusão definitiva de que esta proposição — eu sou, eu existo — é necessariamente verdadeira cada vez que a pronuncio ou a concebo mentalmente."

— Meditações Metafísicas, 2ª Meditação

Agora que ele limpou o terreno, ele vai construir o conhecimento. É o oposto de "Questione tudo", ainda mais como estilo de vida.

spoiler: na 3ª meditação ele ja quer deduzir a existencia de Deus

Mas o texto me parece não se importar com as Meditações Metafisicas, o foco parece ser o Discurso do Método. Ok, vamos a ele. O princípio do método cientifico se encontra na parte II.

"Eu passei a acreditar que, em vez de um grande número de preceitos que compõem a lógica, os quatro a seguir seriam suficientes para meus propósitos, contanto que tomasse uma decisão firme e inabalável de nunca me afastar deles:

  • A primeira [regra] era nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não soubesse de maneira incontestável que é assim; ou seja, evitar cuidadosamente tanto o preconceito quanto conclusões precipitadas, e incluir em meus julgamentos apenas aquilo que se apresenta a minha mente tão clara e distintamente que eu não tenha motivo para duvidar.
  • A segunda era dividir todas as dificuldades que eu examinasse em tantas partes quanto possível, e tantas quantas fossem necessárias para resolvê-las da melhor maneira.
  • A terceira era conduzir meus pensamentos em uma ordem definida, começando pelos objetos mais simples e mais facilmente compreendidos, e avançando gradualmente, como que passo a passo, para o conhecimento dos mais complexos; e estabelecer uma ordem até para aqueles que não têm uma ordem natural de precedência.
  • A última era fazer enumerações completas e revisões gerais tão amplas que eu estivesse certo de não ter deixado nada de fora."

— Discurso do Método, Parte II

Algumas Perguntas: O que te impediu de ler 10 páginas a frente, na parte III onde ele estabelece a moral provisória? Essa seria a deixa perfeita pra fazer a conexão entre o pensamento cartesiano com o estoicismo.

O que você acha de tomar o Discurso do Método e as Meditações Metafisicas como o começo de um manual (ἐγχειρίδιον)?

Ou melhor ainda, que tal relacionar a res cogitans e a res extensa respectivamente com a pneuma e a hyle?


Apesar do titulo, o texto joga Descartes pro segundo plano. Vamos voltar brevemente pro "Questione tudo".

Como mencionei, "Questione tudo" é geralmente associado ao ceticismo. O ceticismo antigo é, como o próprio estoicismo, uma escola abrangente, que inclui desde seguidores de Platão até pirrônicos radicais, quase niilistas. Vale a pena mencionar Carnéades, cético que se colocou em confronto direto com os adeptos da Stoa Poikilê - Sim! Os céticos são adversários dos estoicos. E Cícero, que mais tarde realiza uma espécie de síntese entre as duas escolas.

Feitas essas considerações inciais, vamos o conteúdo do texto.

"Se você olhar de perto, o encapsulamento é o estoicismo em forma de código"

A não ser que você esteja forçando a barra e reduzindo estoicismo a uma leitura rápida das primeiras linhas do primeiro paragrafo do primeiro capitulo do Manual de Epicteto, isso não tem o menor sentido.

Como nos informa Diógenes Laércio (Vida e doutrinas dos filósofos ilustres, VII), a ideia que mais se difundiu entre os estoicos é a de uma filosofia com 3 partes interligadas: Física, Lógica e Ética.

PAIZÃO, OLHA ISSO, QUE DOIDEIRA!!!!11! OS ESTÓICOS CONTRIBUIRAM PRO DESENVOLVIMENTO DA LÓGICA. LOUCURA!!!! SERÁSE ISSO TEM ALGUMA COISA A VER COM PROGRAMAÇÃO??????????????????????????????????

Hackers e ameaças externas são o equivalente digital do caos que os estoicos pregavam para evitar.

Daqui adiante o texto menciona muito a ideia de "caos", mas ainda não encontrei onde os estoicos levavam isso em consideração. Aqui está uma passagem de Marco Aurélio que usa a palavra χάος e outras ocorrências da palavra em textos de outros autores não estoicos. Poderia me indicar mais algum trecho que mencione o termo?

De qualquer maneira, a comparação também não possui qualquer fundamento. Avançando um pouco mais, a Física nos diz o que é a natureza, a Lógica nos explica como podemos adquirir e organizar esse conhecimento e a Ética nos ensina a seguir a natureza. Os estoicos retomam a noção heraclitica do Logos (λόγος), que da pra traduzir por algo mais ou menos como "Inteligência Universal" ou "Inteligencia que a tudo interliga e governa". Essa inteligência fornece tudo para que todas as coisas existam e se realizem de acordo com a natureza, também da forma ao universo. Pro estoico, todo o universo existe em perfeita harmonia, o mal (isso é, sendo generoso e assumindo que é isso o que você quis dizer com "caos") é o desconhecimento, e por consequencia, a vida em desacordo com essa ordem universal.

Vamos falar sobre minimalismo digital. Essa tendência? Puro estoicismo.

  • Zenão de Cítio: Naufragou pouco antes de chegar a Atenas, perdendo não só seu navio, mas também uma valiosa carga de púrpura.
  • Cleantes de Assos: Ganhava a vida carregando baldes de água até as casas dos atenienses.
  • Diógenes da Babilônia: Assim como Zenão, era estrangeiro. Enviado a Roma em uma delegação a trabalho, foi responsável por levar o estoicismo aos romanos. Aliás, foi ele quem discutiu com Carnéades.
  • Panécio de Rodes: Último escolarca do Pórtico original, tornou-se amigo de figuras influentes na política romana.
  • Posidônio de Rodes: Foi embaixador em Roma, onde fundou sua escola. Era próximo da classe dirigente romana.
  • Catão de Útica: Influente ao ponto de defender a república romana contra as pretensões de Júlio César.
  • Sêneca: Literalmente um dos homens mais ricos de Roma.
  • Musônio Rufo: Sua influência política era tamanha que foi exilado três vezes.
  • Epicteto: Era literalmente um escravo.

E para terminar:

  • Marco Aurélio Antonino: Talvez o indivíduo mais rico e influente de seu tempo.

Que tipo de "minimalismo" é esse? O minimalismo forçado de Zenão, Cleantes e Epicteto? Ou é o minimalismo que frequentava a alta corte de Roma?

Na ciência em geral e na ciência da computação, tudo se resume à desordem — a maneira do universo de dizer: “Vamos deixar as coisas bagunçadas”

Vou reforçar, pros estoicos, o universo é ordenado, regido por um λόγος que tudo comanda. Desordem é o desconhecimento, o mau é o individuo ignorante.

Comece com o Fim em Mente

Isso pode valer quando o assunto é realizar um projeto, um plano, um sonho. Agora, em investigação científica? Sei não, hein.

Estoicismo novamente, lembrando-nos de que estamos todos juntos nisso

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAEEEEEEEEEEEE, FINALMENTEEEEEEEEEEEEEEEEE ACERTOU!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

O estoicismo foi a primeira escola a considerar todos os seres humanos como parte de uma única comunidade. Recomendo dar uma olhada na Republica de Zenão, forçando um pouco a barra ACHO que podemos considerar a obra como um tipo de utopia coletivista(???), mas não tenho conhecimento suficiente pra fazer qualquer juizo sobre o texto.


Muitos "estóicos modernos" acabam adotando conselhos práticos do estoicismo sem se comprometer com o sistema estoico completo e um ceticismo moderado que se mantenha em limites razoáveis. Ou seja é pura terapia cognitivo-comportamental, coisa que a ciência ja conhece. "Estoicismo" perdeu o sentido, virou só um nome maneiro pra dar certo tom de autoridade.

Pra finalizar: resumir estoicismo em "foque no que você pode controlar" é insultar a inteligencia do leitor.

Fontes:

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Obrigado pelo comentário!

Com tanto conhecimento sobre filosofia e inclusive psicologia, seria interessante ver textos originais seus. Talvez você note que tem diferença ser um leitor assíduo de livros de uma escola filosófica e produzir um pensamento filosófico próprio, seguindo aquilo que você acredita.

Ao faze-lo, é NATURAL, é uma CONSEQUÊNCIA LÓGICA que sua abordagem se diferencie do pensamentos de outros autores e filósofos. Afinal, o principio mais importante da filosofia é pensar por conta própria, indo de encontro inclusive, com um dos princípios do estoicismo, que valoriza a virtude por meio da libertação por meio do próprio pensamento. Fazer algo diferente disso, é puramente seguir as ideias definidas por outros pensadores, sem se quer ao menos questionar e verificar com sua própria massa cinzenta.

Indo agora aos questionamentos levantados, foram sim feitas reduções dos pensamentos individuais dos estoicos. Isso porque o público alvo do texto não eram leitores que conhecem e estudam a filosofia com rigor, assim como você o faz (fica aqui meu reconhecimento e respeito). Sobre a questão que você frizou no final de sua resposta:

resumir estoicismo em "foque no que você pode controlar" é insultar a inteligencia do leitor

Interessante. Vamos ver o comentário que você fez a um tempo atrás em um texto parecido discutindo temas de alguma forma semelhantes:

O estoicismo é essencialmente uma filosofia na qual a consciência descobre sua própria liberdade e se volta para dentro de si mesma, chegando ao ponto de quase ignorar o mundo externo - ou, como dizem, "Aceite o que não pode ser mudado". Afinal, se tudo o que nós temos é a experiência de nossa consciência individual, o que podemos fazer é lidar com essa consciência e/ou tentar descobrir do que ela é capaz. *

Tendo esse comentário em pauta, me diga, o que é mais controlável que a própria consciência?

Será mesmo que estou insultando a inteligência de alguém?

Note que não precisei usar letras gigantes como se estivesse conversando com uma criança. Talvez o insulto esteja vindo de outra parte que não a minha.

Nesse sentido, acho que te falta aplicar mais a maiêutica: será que tirar o ego de lado um pouco em discussões filosóficas seja mais produtivo e legal para ambas as partes? Será que a mente aberta e a discussão tranquila de ideias é melhor para a produção de conhecimento?

Fica ai algumas dúvidas, afinal, só sei que nada sei, estou aqui para aprender e não para ficar fazendo comentários insultantes na internet 😉.