Como funcionam as baterias de íons de lítio: dos ciclos de carga à vida útil
A maioria (se não todos) dispositivos que temos hoje em dia possuem bateria de íons de lítio (também chamadas de bateria de Lítio-íon ou Li-ion). E, por muito tempo, eu me perguntei como fazer a bateria do celular ou do notebook não viciar com o passar dos anos.
Já ouvi pessoas falando que a vida útil da bateria era medida em ciclos, então eu poderia carregar o dispositivo X vezes de 0~100%, por exemplo. Mas e se eu usasse ele direto na tomada, será que seria melhor para a vida útil dele? Se eu carregasse apena 10%, contaria como um ciclo? Eu continuava com dúvidas sobre como cuidar melhor da bateria dos meus dispositivos.
Em 2022 encontrei uma boa resposta sobre como esse tipo de bateria funciona num vídeo do canal MW Informática: Aprenda o que é o ciclo de bateria e como melhorar bateria de celular e notebook.
Ciclos de carga
No vídeo, o Miguel diz que os ciclos de carga que uma bateria tem são um tipo de "garantia" do fabricante. Se a bateria tem a capacidade de 300 ciclos de carga, não quer dizer que após o 300º ela irá parar de funcionar, mas sim que a capacidade dela diminui. Ou seja, ao invés dela ter 0~100% de carga, ela passa a ter, por exemplo, 0~80%, e vai diminuindo. No iPhone é possível encontrar esse valor nas configurações (veja um exemplo abaixo), mas não me lembro de ter visto isso em outro sistema operacional.
E o próprio suporte da Apple diz algo que corrobora as informações ditas acima:
As baterias dos modelos de iPhone 14 e anteriores foram desenvolvidas para reter 80% da capacidade original em 500 ciclos de carga completos em condições ideais.* As baterias dos modelos de iPhone 15 são desenvolvidas para reter 80% da capacidade original em 1.000 ciclos de carga completos em condições ideais.* Com todos os modelos, a porcentagem exata da capacidade depende de como os dispositivos são usados e carregados regularmente.
Olhando de um ponto de vista mais técnico, o Miguel explica no vídeo como funciona a bateria: existe uma camada de um óxido metálico e uma outra camada de grafite. Também existe uma proteção entre as camadas chamada de eletrólito, para elas não entrarem em contato direto. No processo de carga e descarga, os átomos de lítio trocam de uma camada para a outra, passando pelo eletrólito. Como esse processo tem um desgaste, a capacidade da bateria diminui com o tempo. A temperatura também afeta o desgaste.
Pontos de maior estresse da bateria
No vídeo, o Miguel explica que os pontos de maior estresse da bateria são 0% e 100%. Isso acontece porque, conforme mencionado anteriormente, esse nível de carga significa que todos os íons de lítio estão em uma única camada, com uma alta concentração em um espaço limitado. Então, uma boa faixa de operação da bateria é entre os 20% e 80%.
Para a bateria não ter um nível de estresse muito alto, o fabricante do celular ou notebook já coloca uma margem de segurança onde o 100% exibido não é de fato o 100% da bateria.
Tem uma resposta no Electronics Stack Exchange que trás um pouco mais de informações sobre isso. O autor diz que os efeitos de deixar a bateria com uma carga de 20%~80% ou 0%~100% não são lineares. Ou seja, não significa que dez cargas de 20%~80% (600% no total) tem o mesmo efeito que seis cargas de 0%~100% (600% no total).
Como você pode ver, carregar até 80% em vez de 100% multiplica por 4 a quantidade de energia que a bateria terá transferido para você ao longo de sua vida útil - a única desvantagem é comprometer a quantidade de energia que você pode obter com uma carga completa (fatias grandes, bolo pequeno VS fatias pequenas, bolo grande). Isso também significa que você pode usar sua bateria 4 vezes mais antes que ela chegue ao fim de sua vida útil. Observe o uso de "vida nominal", pois na prática as baterias perdem capacidade à medida que envelhecem e se desgastam, a ponto de se tornarem inutilizáveis.
Se o gráfico acima fosse plano, você estaria certo, carregar a 80% da bateria seria inútil porque a carregaríamos com mais frequência (menos conveniente) e ela não duraria mais. Mas não é, nem perto disso.
(...)
É geralmente reconhecido que 80% é um bom compromisso entre conveniência e vida útil. Acho que me lembro que nos satélites a bateria é geralmente projetada para carregar/descarregar entre um terço e 2 terços de sua capacidade nominal para maximizar sua vida útil para mais de 15 anos.
Meu conselho geral para maximizar a bateria é usá-la apenas o quanto for necessário, ou seja, carregá-la com a maior freqüência possível e o mínimo possível. Se você precisar de uma regra prática, fique entre 30% e 80%.
A Battery University tem algumas informações extras sobre esse assunto também, e traz essa tabela:
Temperatura Carga de 40% Carga de 100% 0ºC 98% (após 1 ano) 94% (após 1 ano) 25ºC 96% (após 1 ano) 80% (após 1 ano) 40ºC 85% (após 1 ano) 65% (após 1 ano) 60ºC 75% (após 1 ano) 60% (após 3 meses) Tabela 3: Capacidade recuperável estimada ao armazenar íons de lítio por um ano em diversas temperaturas.
A temperatura elevada acelera a perda permanente de capacidade. Nem todos os sistemas de íons de lítio se comportam da mesma forma.
E uma curiosidade extra, tenho um notebook da Acer que possui uma funcionalidade para limitar a carga de bateria a 80%, ou seja, consigo usar o notebook na tomada e não passar dos 80%, que é um ponto menos estressante do que os 100%.
A bateria é usada se estiver conectada na rede elétrica com a carga máxima?
Essa era uma outra dúvida minha, visto que isso faria com que menos ciclos de carga fossem realizados na bateria, portanto aumentando a vida útil dela.
Encontrei essa resposta no Ask Ubuntu que indica que notebooks Dell podem ter essa funcionalidade, mas que precisam de uma modificação para funcionar dessa forma, e também essa outra resposta no Super User que diz o seguinte:
Na verdade, a química da bateria de íons de lítio requer uma quantidade menor de energia à medida que a bateria atinge sua capacidade total, precisamente porque ela não consegue aceitar toda essa energia extra em um ritmo muito rápido (sem superaquecimento). Os últimos 90-99% da carga do seu laptop demoram quase tanto quanto os primeiros 0-50%, e é por isso.
Isso me leva a entender que o dispositivo diminui o nível de energia consumido da rede elétrica quando está próximo da carga máxima, mas não consome a energia diretamente da rede, "pulando" a bateria. Caso alguém entenda mais do assunto e puder complementar nos comentários, será de grande valia.