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Por que demora 6 meses para dar bom dia na TI?

Existe um caminho para resolver esse problema

Se você trabalha com tecnologia, provavelmente foi impactado nos últimos dias por um vídeo de um senhor figurão da Caixa disparando impropérios ao pessoal da TI.

Como podemos classificar esse senhor? Um irresponsável? Ou apenas alguém de saco cheio?

Na edição da Newsletter de hoje, eu decidi comentar o vídeo do Sérgio Medeiros. Também resolvi propor uma reflexão sobre o porquê da indignação desse senhor e como resolver o problema de comunicação com TI e outras áreas.

"Pra dar um bom dia na TI demora 6 meses"

Na semana passada, um senhor chamado Sérgio Medeiros apareceu na minha timeline. Era uma fala em um evento de tecnologia da FEBRABAN. Pensei: "estranho isso aparecer para mim, pois eu não tenho nenhuma relação com o mercado bancário".

Quando dei play no vídeo, entendi. Aquele senhor estava disparando ataques para diversas áreas da tecnologia. Fuzilou de ponta a ponta, sem poupar ninguém. Falas polêmicas, para dizer o mínimo.

Para quem não sabe (eu não sabia), Sérgio Medeiros é professor na UFRJ e consultor de TI da Caixa Econômica Federal. Aparentemente, é uma pessoa gabaritada para estar naquele palco. Consequentemente, uma pessoa gabaritada para dizer o que disse.

Confesso que não dei tanta atenção ao vídeo. Para mim, era só mais uma pessoa de saco cheio com a tecnologia e falando o óbvio, talvez de um modo mais ríspido. Acontece que, hoje em dia, dizer o óbvio às vezes pode ser perigoso. Eu sei disso, pois já fui cancelado por dizer o óbvio.

Anyway… uns dois dias depois, vi um excelente reels do Fernando Freitas fazendo menção à polêmica, e dando a opinião dele. Fui um dos primeiros a assistir o vídeo. Logo que terminei, fiz questão de comentar, dando meu pitaco e frisando que concordava 100% com sua fala.

Também vi um post do Fábio Akita, no Linkedin, comentando o vídeo de forma mais profunda, num tom bem sóbrio e ponderado. Assino embaixo em 100% de tudo o que ele escreveu!

Concordo que a galera da TI é péssima em priorizar. Na maioria dos casos, há pouquíssima noção de custo-benefício. Tecnicamente, até existe alguma noção. Agora, quando falamos de forma holística, em que é preciso uma análise considerando o interesse de todos os stakeholders, essa noção vai embora.

Concordo, também, que existe uma galera de negócio bem ruim de serviço, que não sabe o que quer da vida, ou que não se esforça o suficiente para entender o problema a ser resolvido. Isso prejudica o processo de desenvolvimento, gerando trabalho inútil, retrabalho e dívidas técnicas desnecessárias.

Por fim, concordo também que o Sérgio Medeiros falou algumas asneiras. Na verdade, asneiras não, mas, sim, bravatas, que são contraproducentes para o debate.

Enfim… não vou tecer comentários sobre o vídeo em si, pois o Fernando e o Akita fizeram ótimos comentários. Meu objetivo hoje é refletir sobre porque essa bateção de cabeça acontece e, principalmente, como o lado da TI pode se posicionar melhor.

Incentivos e resultados

Show me the incentive and I’ll show you the outcome.” - Charlie Munger

Nas últimas semanas, estou lendo o livro "Poor Charlie's Almanack: The Wit and Wisdom of Charles T. Munger", e estou abismado com o nível de inteligência e capacidade de resolução de problemas do Charlie Munger. Seu vasto conhecimento em diferentes áreas do saber lhe deu uma capacidade absurdamente acima da média de resolver problemas complexos. Ele foi um verdadeiro polímata e, não à toa, também foi sócio do maior investidor do mundo, Warren Buffet.

Uma das áreas que ele "defende" como sendo a mais ignorada, quando falamos sobre a busca da verdade, é a psicologia. Segundo Charlie, milhares dos nossos problemas cotidianos seriam facilmente evitados se tivéssemos um conhecimento básico, mas fundamental, sobre como nossa mente funciona. Entender como a dinâmica de incentivos e resultados atua no nosso cérebro é um desses conhecimentos necessários.

Por mais que haja boa vontade de todos para que a tecnologia acompanhe o negócio, os incentivos não estão alinhados nessa direção. Eu posso afirmar isso com convicção, pois oscilei entre as duas áreas durante os meus 15 anos de experiência. Quer ver só?

Primeiro de tudo, precisamos entender que o engenheiro, via de regra, é fascinado pelo como, e não pelo porquê. Me lembro, como se fosse hoje, da minha mãe brigando comigo pois eu desmontei completamente um gravador de brinquedo, só para entender como ele funcionava por dentro.

Programação é algo MUITO técnico. Não é trivial aprender a programar. Menos trivial ainda é dominar a programação e conseguir transformar aquele monte de código em algo que seja útil e gere valor para o usuário.

O bom programador se interessa por como o software funciona por debaixo dos panos. Ele tem o tal do fascínio pelo como. É muito difícil que uma pessoa que não seja genuinamente interessada por programação se transforme num bom programador. Essa característica, por si só, já restringe bastante o perfil padrão do profissional de tecnologia.

Até aí, não temos nada de exclusivo. Outras profissões técnicas são iguais. Temos profissionais com essas mesmas características na engenharia civil, na engenharia mecânica, na biologia, e, provavelmente, em humanas também. Todo nível de especialização demanda um interesse genuíno pelo como.

Então, por que temos um problema de incentivos especificamente na tecnologia?

Bom, primeiro de tudo que seria presunção da minha parte dizer que esse problema é exclusivo da tecnologia. Isso porque eu não tenho vivência suficiente em outras áreas. Independentemente de ser exclusivo ou não, fato é que esse problema existe.

O mundo se digitalizou nos últimos 30 anos. A TV, que antes era analógica, hoje é digital. A transferência bancária, que antes era analógica, hoje é digital. A comunicação, que antes era analógica, hoje é digital.

Toda essa digitalização demanda especialistas em tecnologia da informação. Acontece que a academia não conseguiu absorver essa demanda, e está longe de ser capaz de formar a quantidade (e qualidade) necessária de profissionais. Desde o começo dos meus 15 anos de carreira na tecnologia, eu ouço que falta gente boa no mercado.

Isso não é opinião, é fato. Segundo um levantamento do Google, o Brasil terá déficit de 530 mil profissionais de tecnologia até 2025. Para que você tenha uma noção de proporção, existem aproximadamente 570 mil médicos no Brasil. É surreal!

Existe, ainda, o "agravante" da pandemia e a aceleração na digitalização do mundo. Eu vivi isso na pele com a minha antiga fábrica de software. Absolutamente todos os prestadores de serviço da Codevance deixaram de trabalhar conosco pois receberam propostas melhores. E não eram um pouco melhores, eram muito melhores. Coisa de 2x, até 3x o valor do salário atual. Quem é o louco de perder a chance de triplicar seu salário da noite para o dia?

Esse excesso de demanda cria um desequilíbrio de forças. Em outras profissões, o profissional técnico precisa aumentar seu escopo de conhecimento e entender, mesmo que minimamente, de outras áreas. Se ele não fizer isso, ele será engolido por quem faz. Existe um incentivo orgânico que resulta na qualificação do profissional além da sua zona de especialização.

Na TI, esse incentivo não existe. Esse "privilégio" da alta demanda e baixa oferta acaba gerando, na verdade, um incentivo reverso: uma área de tecnologia que tem uma dificuldade absurda de dialogar com a área de negócios. Faz sentido, afinal.
"Para quê me esforçar em colaborar com outras áreas, sendo que elas não têm muita alternativa, a não ser tratar comigo do jeito que sou?".

Quer um exemplo desse comportamento mesquinho? A terrível nota emitida pelo SindPd SP, o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo. Ao invés de buscar o diálogo, se comporta como uma criança mimada que, no mínimo sinal de discordância, ameaça recolher sua bola e tirar seu time de campo. Por fim, termina pedindo a cabeça do seu opositor, que cometeu o grave crime de simplesmente dizer meia dúzia de verdades num tom de desabafo.

Como resolver esse problema?

Quero deixar claro que essa é uma análise genérica. Obviamente, existem excelentes profissionais de tecnologia, que não se comportam de maneira mesquinha. Tive e tenho o prazer de trabalhar com diversos deles.

Eu confio no nível de cognição do meu leitor. Se você consegue ler esse texto e não se sentir ofendido, esse texto provavelmente não é para você. Agora, se você já está afetado, sugiro que segure seu ódio e pelo menos termine o texto. Com certeza esse conteúdo poderá te ajudar.

Acredito que a única forma de resolver esse problema é amadurecermos, tanto como profissionais, quanto como seres humanos.

Precisamos entender que o usuário não é burro. Precisamos entender que ninguém nos deve nada. Precisamos entender que somos nós que devemos aos outros.

Nós não somos especiais só porque temos uma habilidade rara e demandada pelo mercado. O que somos é pessoas privilegiadas. Por termos esse privilégio, é egoísmo da nossa parte não usar nossas habilidades para servir o próximo e contribuir para melhorar a vida do nosso usuário.

Precisamos entender que tecnologia não é um fim em si mesmo. Ninguém quer instalar um aplicativo de banco no celular. O que as pessoas querem é pagar suas contas de forma simples e prática. Ninguém quer um software que use socket para se comunicar com o servidor. O que as pessoas querem é se comunicar em tempo real.

Aliás, ninguém não. O engenheiro quer. E está tudo bem o engenheiro querer isso, afinal, ele é fascinado por tecnologia. O que não está tudo bem é o engenheiro impor goela abaixo seu gosto aos outros. O mundo não é composto por engenheiros. O mundo, inclusive, é composto majoritariamente por não-engenheiros. O mundo é composto por pessoas que só querem resolver seus problemas.

O único caminho para resolvermos esse problema é sairmos da nossa toca para buscar entender mais sobre o negócio.

Imagine uma pessoa usando uma furadeira elétrica para bater um bolo. Imagine usar um helicóptero para ir até o mercado. Imagine usar um foguete de sinalização para acender uma fogueira. Esse é o programador que não entende de negócio.

O programador detém um conhecimento valiosíssimo. Através do seu código, ele é capaz de, literalmente, melhorar a vida de milhões de pessoas. Mas, para que esse conhecimento seja colocado em prática, é preciso colaboração com as outras áreas de um negócio.

Por isso, estude sobre negócios, sobre marketing, sobre vendas… estude também sobre psicologia, microeconomia, sociologia… estude sobre áreas que vão além da programação. Estude sobre o ser humano.

Lembre-se: a programação não é um fim em si mesmo. Ela é meio para gerar valor ao próximo.


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