O ceticismo está acabando com a sua evolução como programador
Eu sempre fui um cara cético. Por ser uma pessoa com habilidades para ciências exatas, o subjetivismo da fé nunca me atraiu.
Durante a pandemia, a possibilidade real de que pessoas próximas poderiam morrer a qualquer momento diminuiu muito meu ceticismo. Ainda bem. Hoje sou um ser humano muito melhor. Sou menos ansioso, tenho mais senso de propósito e, consequentemente, tenho muito mais sucesso na minha vida.
Na edição de hoje eu quero falar sobre a dificuldade que nós, programadores, temos em exercer o ato de acreditar e como esse comportamento nos afeta negativamente.
A minha história com o ceticismo
Eu estudei em um colégio bem conceituado, que tinha a tradição de preparar seus alunos para serem aprovados nas melhores faculdades do Brasil.
Lembro que, em todo início de ano, quando chegávamos para os primeiros dias de aula, havia um mural com a foto dos formandos e as universidades em que foram aceitos. Sempre tinha pelo menos um que passava no ITA. USP, UNESP e UNIFESP também marcavam presença com alguns alunos.
Essa tradição tinha como causa um ensino bem puxado e focado em ciências exatas. Por sorte, eu tinha aptidão para essas disciplinas. Diante desse casamento entre aluno e colégio, o fim seria óbvio. Você deve estar imaginando que eu também estudei em uma faculdade de ponta, certo? Só que não. Eu não passei em nenhuma dessas faculdades de primeiro escalão.
Hoje, olhando para trás, eu percebo que eu tinha plenas condições técnicas de passar em qualquer uma dessas grandes. Com dedicação e disciplina dava para chegar lá. Acontece que eu nem tentei. Sabe por quê? Eu não acreditava que eu era capaz. Faltava confiança.
Durante toda a minha vida eu sempre tive muita dificuldade em acreditar no que eu não conseguia tangibilizar. Sabe aquela história do "eu só acredito vendo"? Pois é.
Além disso, vivemos em uma época em que reina um clima cientificista. Tudo o que não for explicado pela ciência não merece atenção. Durante muito tempo, por exemplo, não consegui acreditar em Deus simplesmente pelo fato de a ciência nunca ter comprovado sua existência.
Por causa dessa dificuldade em acreditar, eu sempre fui uma pessoa pessimista. O fato de eu nem ter tentado um vestibular de ponta é um exemplo dessa mentalidade.
Esse comportamento me acompanhou até há alguns poucos anos atrás. Para você ter uma ideia, na DevPro eu era tido como catastrófico, porque sempre agia tentando nos precaver de todos os possíveis males. Como eu não conseguia acreditar num futuro bom, eu buscava garantias para nos proteger do mau.
Eu falo "buscava" no passado porque estou conseguindo mudar essa mentalidade. São anos a fio dedicados à psicanálise, ao desenvolvimento pessoal e ao amadurecimento. Depois de muito trabalho, hoje eu consigo entender a origem desse comportamento.
A mudança começou, de verdade, num papo que eu tive com o meu amigo Rodrigo Lopes. Num almoço, eu estava reclamando que tinha muitos projetos que desejava realizar, mas não conseguiria devido a diversos fatores externos. Depois de muita choradeira da minha parte, ele começou com um papinho meio de coach, dizendo que eu estava focando minha energia no lugar errado.
De primeira, achei a conversa meio bullshit. Eu falando de problemas reais e ele falando de energia? Sorte que houve algum lampejo de sanidade na minha cabeça que me fez controlar meus instintos e pensar de forma racional: "Esse cara chegou onde eu quero chegar. Vou segurar minha arrogância e ouvir o que ele tem a dizer".
Esse papo me deixou reflexivo por alguns dias, até que tomei uma decisão: resolvi deixar meus preconceitos de lado e dar uma chance para esse lance de crença. Comecei lendo alguns livros que o Rodrigo indicou. Depois, influenciado por esses livros, comecei a praticar alguns exercícios diários para exercitar minha capacidade de acreditar.
Em pouco tempo os resultados começaram a aparecer. Comecei a sentir alguma melhora no meu humor. Me sentia mais disposto, mais motivado.
Mais ou menos nessa mesma época veio o nascimento do meu filho. Minha esposa teve uma complicação no parto que me deixou com muito medo. Foi, de longe, a situação mais intensa, emocionalmente falando, da minha vida. Foi quando eu tive uma experiência com Deus muito marcante e inquestionável. Depois dessa experiência concreta sobre acreditar, a coisa deslanchou.
Eu, que era uma pessoa muito preocupada e estressada, estou muito mais leve e despreocupado (apesar de, atualmente, trabalhar um número muito maior de horas). Antes eu vivia com medo do futuro, hoje eu me sinto uma pessoa muito mais confiante, mais esperançosa. Evolui consideravelmente em diversas áreas da vida, como esporte e saúde. Até parei de fumar, coisa que nunca tinha imaginado fazer na vida.
Essa evolução aconteceu porque eu consegui, pela primeira vez na vida, ter a capacidade de acreditar. Eu posso provar que foi por isso? Não. Mas não importa. Eu não preciso provar. Aquela frase clichê e bobinha que diz que "é melhor ser feliz do que ter razão" nunca fez tanto sentido.
Por que eu te contei tudo isso? Se você pensa que esse texto é um testemunho de fé e que o meu objetivo aqui é te converter, você está enganado.
Eu te contei toda essa história porque quero te provar, através da lógica, que desenvolver a sua capacidade de acreditar é o caminho para uma vida mais feliz.
Por que temos dificuldade em acreditar?
Se você é programador, você provavelmente foi uma criança prodígio. A nossa sociedade incentiva e valoriza pessoas com boas habilidades para as disciplinas STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática). Por sorte, você nasceu com uma habilidade específica para essas disciplinas.
Uma criança prodígio é acostumada a ouvir, desde cedo, o quanto é inteligente. Provavelmente foi assim com você também. É aí que mora o perigo. De tanto te chamarem de gênio, você acabou acreditando. Isso te tornou uma pessoa arrogante. Eu sei disso porque comigo foi exatamente dessa forma.
Acontece que o mundo não se resume a disciplinas STEM. Muito pelo contrário. O mundo se resume a pessoas. E, geralmente, quem tem habilidade em lidar com máquinas não tem habilidade para lidar com gente. A objetividade ilustrada pelo zero e um das máquinas é o oposto da subjetividade dos seres humanos.
Esse é o primeiro motivo pelo qual programadores possuem dificuldade em acreditar. A crença não é uma característica explicada pelas disciplinas exatas, mas sim pelas disciplinas humanas. A arrogância, característica em bons programadores, o impede de enxergar o valor dessas disciplinas.
Se você pensa que o ser humano é um ser racional, você está enganado. O ser humano é um ser emocional que tem a capacidade de racionalizar a sua emoção. Em outras palavras: você, como ser humano, consegue controlar seu pensamento mas não consegue controlar seus sentimentos.
Isso acontece porque, na grande maioria do tempo, nós agimos de forma automática. Você respira de forma automática; você troca a marcha do carro de forma automática; você até se seca depois do banho de forma automática e exatamente do mesmo jeito todo santo dia. O ato de sentir um sentimento também acontece de forma automática.
Isso é bom para a sobrevivência, mas ruim para o desenvolvimento pessoal. O nosso cérebro foi programado durante centenas de milhares de anos de evolução para nos proteger dos perigos e da morte. Esse é o nosso instinto. A nossa mente possui um viés muito forte para sobrevivência.
Vieses são inclinações que podem influenciar nossas decisões, percepções e crenças. Eles têm diversas origens, mas, principalmente, vêm das suas experiências de vida quando criança, da forma de pensar da comunidade em que você vive e da mídia que você consome.
O viés é como uma lente que distorce a realidade. Ele é um mecanismo do nosso cérebro que vem instalado de fábrica e que não dá para desligar. Ele sempre estará ali, influenciando suas decisões.
Todas as decisões da sua vida, que você julgou serem sempre racionais, na verdade foram fortemente influenciadas pelos seus vieses emocionais.
Esse é outro motivo pelo qual programadores têm dificuldade de exercer o ato de acreditar. Pessoas com habilidades em STEM geralmente possuem fortes vieses que levam para um pensamento cético.
E qual o problema disso?
Existe um livro chamado "Mindset: A nova psicologia do sucesso". Foi escrito por uma psicóloga renomada, chamada Carol Dweck. Apesar do livro ser muito repetitivo, a ideia central é muito interessante.
O livro explora a ideia de que a mentalidade das pessoas têm um peso significativo na sua capacidade de desenvolvimento pessoal. Basicamente, existem duas mentalidades que as pessoas podem ter: a mentalidade fixa e a mentalidade de crescimento.
A mentalidade fixa é quando as pessoas acreditam que suas habilidades, inteligência e talentos são inatos e imutáveis. Essas pessoas tendem a evitar desafios, têm medo do fracasso e muitas vezes desistem facilmente quando encontram obstáculos.
Por outro lado, a mentalidade de crescimento é quando as pessoas acreditam que suas habilidades e inteligência podem ser desenvolvidas por meio de esforço, dedicação e aprendizado contínuo. Essas pessoas abraçam desafios, enxergam o fracasso como uma oportunidade de aprendizado e estão dispostas a se esforçar para melhorar.
Se você é uma pessoa arrogante e que já sabe tudo, não há nada de novo para aprender, certo? Se você é um prodígio desde pequeno, que nunca precisou fazer esforço para ser inteligente, você provavelmente nasceu com um dom, certo? Errado.
Essa linha de raciocínio até tem lógica, mas parte de uma premissa errada. Você não nasceu com um dom. Você apenas tem aptidão para disciplinas que são um pouco mais valorizadas pelo mercado de trabalho. Acontece que o mundo não se resume ao mercado de trabalho.
Uma pessoa arrogante e cética tende a acreditar em uma mentalidade fixa. E qual o problema disso? O problema é que quem tem mentalidade fixa não evolui na vida. Ter uma mentalidade de crescimento é essencial para atingir seu potencial máximo, tanto em termos profissionais quanto pessoais.
Acreditando que é sempre possível melhorar, automaticamente você acredita que, para evoluir, basta se esforçar. Os obstáculos deixam de significar um fracasso e passam a significar oportunidades de aprendizado. Acreditar que o esforço leva ao progresso incentiva a persistência e motivação.
Estudos mostram que uma mentalidade de crescimento está associada a níveis mais baixos de ansiedade e depressão. Ao encarar as situações com mentalidade de crescimento, você tende a se sentir muito mais preparado para lidar com as pressões e estresses da vida cotidiana.
Por fim, ao aceitar que tanto você quanto o outro podem mudar e crescer, você se torna uma pessoa mais empática e, ao mesmo tempo, mais humilde. Você se torna um ser humano mais legal.
Percebeu o quanto de vezes a palavra "acreditar" apareceu nos últimos parágrafos? O ceticismo impede de acreditar em uma mentalidade de crescimento. Com isso, só resta a mentalidade fixa e a estagnação pessoal e profissional. Prato cheio para a falta de propósito, ansiedade e depressão.
Por favor, não me entenda mal. A capacidade de duvidar é a base do pensamento crítico. Para se ter um entendimento profundo sobre o mundo e conseguir se instalar na realidade, é necessário certa dose de ceticismo. Mas também é necessária certa dose de fé.
Por isso eu te convido a uma sincera reflexão: você possui uma mentalidade fixa ou de crescimento? Caso possua uma mentalidade fixa, saiba que, como qualquer outra habilidade, a sua capacidade de acreditar é treinável.
Quer provar? Experimente ficar durante um mês inteiro sem consumir nenhum conteúdo negativo (notícias, pessoas, etc). Além disso, busque, diariamente, lembrar de todas as coisas boas que acontecem na sua vida. Aposto com você que sua vida vai melhorar.
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💪🏻 O meu objetivo, com essa newsletter, é ajudar programadores que desejam empreender, ou que querem desenvolver seus soft-skills, mas ainda possuem uma visão muito técnica e pouco estratégica.
Além disso, pretendo também compartilhar outras coisas, como um pouco dos bastidores da construção de um negócio SaaS, as minhas opiniões e meus aprendizados. A ideia geral é ser uma documentação pública e estruturada dos meus aprendizados ao longo dos anos.
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