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Como eu controlo o financeiro do meu SaaS

DRE? DFC? O que são esse bando de letrinhas?

Eu sempre achei que tinha total controle da minha vida financeira. Sempre fui o rei da planilha, até aprender um pouco mais sobre matemática financeira e contabilidade.

Na edição de hoje da Newsletter do Moa, eu conto com mais detalhes como eu faço o controle financeiro do Tintim.

O controle do dinheiro

Eu me lembro como se fosse hoje… o início da cultura dos seriados. De repente, meus amigos começaram a falar sobre uma tal de Lost. A história era de um avião que caiu numa ilha deserta. Meio no estilo "Náufrago". Mas, essa ilha tinha algo de diferente. Os passageiros sobreviventes também tinham algo de diferente. Assisti os primeiros episódios na casa de um amigo, e fiquei vidrado.

Só tinha um problema. Se eu quisesse assistir em casa, eu só tinha uma alternativa: esperar horas para conseguir baixar um único episódio pirata via torrent, e então assistir sentado naquela cadeira de escritório velha, que peguei com meu tio.

Em relação a esperar pelo download, sem problemas. Eu colocava para baixar de madrugada, e pronto. O computador, apesar de ser bem antigo e de segunda mão, aguentava. O problema era assistir sentado na cadeira. Era muito desconfortável.

Outra solução seria alugar o DVD e assistir na TV do quarto. Era assim que meus amigos faziam. Só tinha um problema: a gente não tinha aparelho de DVD em casa. E nem adiantava pedir para minha mãe comprar... Eu já sabia que ouviria o mesmo de sempre: "eu não tenho dinheiro para comprar à vista, não tenho cartão de crédito para parcelar, e não vou pedir o cartão da sua tia emprestado de novo".

Se falarmos de dinheiro, essa passagem ilustra bem o que foi a minha infância. O essencial nunca nos faltou. Tínhamos um teto, e tínhamos uma geladeira cheia. Eu também tinha escola de qualidade e tinha convênio médico. O problema é que o dinheiro acabava no essencial. Não sobrava praticamente nada para os pequenos confortos.

A boa escola me trouxe alguns amigos abastados. Enquanto eles passavam férias no Guarujá, em Gramado ou até na Disney, a gente tinha que contar com a sorte de algum conhecido emprestar sua casa de veraneio. Como essa sorte não era constante, passei muitas das minhas férias empinando pipa e jogando bola na rua.

Não reclamo. De verdade. Tive uma infância muito gostosa. Tenho ótimas memórias. Mas, não vou mentir: eu também queria desfrutar do luxo que meus amigos desfrutavam. Melhor: o que eu queria mesmo era que meus pais não precisassem viver nessa vida de "vender o almoço para comprar a janta".

Esse "semi-perrengue" que foi minha infância e adolescência, somado à convivência com uma galera que tinha grana, me transformou numa pessoa muito ambiciosa. Por sorte, eu me descobri muito cedo em uma das melhores profissões do nosso tempo: desenvolvimento de software. Por isso, eu sempre tive um salário acima da média.

Por conta dos perrengues, eu também aprendi cedo a economizar e cuidar do meu dinheiro. Lembro que, quando tive a sorte de ser contemplado num consórcio automotivo que havia comprado não tinha nem seis meses, eu tinha, acumulado, todo o dinheiro necessário para os trâmites burocráticos. Até sobrou para uma caixa de som bem alta no porta-malas (jovem, né?).

Eu sempre controlei minha vida financeira no detalhe. Eu tinha uma série de planilhas em que controlava cada entrada e cada saída. Anotava e classificava cada linha do extrato do banco. Com todos esses dados normalizados, depois eu fazia uma série de análises para saber quanto de dinheiro eu tinha, quanto teria no futuro, e em quê poderia economizar para sobrar mais. Eu era muito bom nisso.

Ou pelo menos achava que era, até conhecer o meu amigo Henrique Bastos, e me deparar, pela primeira vez, com uma pessoa que conhecia sobre matemática financeira e contabilidade para empresas.

Na época, ele tinha acabado de se tornar sócio de uma fábrica de software, justamente com o objetivo de desenhar o modelo de negócios da fábrica. Eu também tinha acabado de fundar minha fábrica de software. Uma grande coincidência, só que as semelhanças terminavam por ali (o HB estava jogando em outra divisão. Seria tipo comparar o Bayern de Munique com o Mirassol).

Lembro de ele me apresentar conceitos que explodiram minha cabeça. Valor do dinheiro no tempo, custo de oportunidade, provisionamento de receitas e despesas, método das partidas dobradas… Antes disso, eu não tinha a mínima ideia do que estava fazendo com o meu dinheiro.

Na época, me matriculei num curso, dele, chamado "Eu Empresa", que tinha como proposta justamente apresentar os conceitos básicos e necessários para o programador transcender de um mero empregado para um prestador de serviços. Foi com esse curso que aprendi a base do que sei sobre gestão financeira para pequenas e médias empresas.

O tal do DRE

Muito provavelmente, você controla o dinheiro da sua empresa (ou o seu dinheiro) numa planilha de Excel, ou algo similar. Se você faz isso, meus parabéns! Você está à frente da grandessíssima maioria dos brasileiros.

Eu imagino que você deva pegar os extratos do seu banco e copiar para uma planilha. Talvez sua planilha tenha a área das receitas e a área das despesas. Provavelmente, você classifica cada um dos lançamentos, tentando separar o gasto, ou a receita, por categorias e naturezas. Esse é o jeito mais intuitivo de se fazer controle financeiro. Ele tem até um nome: demonstrativo de fluxo de caixa (DFC).

Esse jeito de fazer controle financeiro é útil. Com um DFC bem feitinho, você consegue ter uma boa noção do que aconteceu com o seu dinheiro. Acontece que, frente a outros métodos, ele é bastante limitado.

Um dos problemas de se fazer controle apenas de fluxo de caixa é que, dessa forma, você consegue ter uma visão do passado e até do presente, mas não do futuro. Sem uma visão clara do futuro, você fica limitado.

Fazendo somente controle de fluxo de caixa, você tem apenas uma visão de entrada e saída do dinheiro, mas não tem uma visão gerencial e analítica do seu desempenho financeiro. Como saber se você está gastando bem? Como saber em quê se pode economizar? Com a visão de fluxo de caixa, fica mais difícil fazer essa análise.

Agora, o principal problema de ter somente uma visão de fluxo de caixa é que você não consegue saber a informação mais importante de uma empresa: a lucratividade.

Por incrível que pareça, é possível ter lucro com fluxo de caixa negativo, e prejuízo com fluxo de caixa positivo. Quer alguns exemplos? Uma empresa que vende muito e vende caro, mas que recebe seu pagamento parcelado, pode ter lucro com fluxo de caixa negativo. Agora, uma empresa que recebe a vista, mas paga seus fornecedores a prazo, pode estar tendo prejuízo e não enxergando esse prejuízo, por fazer apenas um controle de fluxo de caixa.

Uma empresa pode quebrar por ser deficitária, ou seja, por dar prejuízo. Isso é meio óbvio. Agora, saiba que uma empresa lucrativa também pode quebrar? Justamente por não saber fazer um bom controle de caixa. Inclusive, esse é um dos motivos de falência mais comuns: a falta de liquidez.

"Tá, Moacir. Já entendi que controlar o dinheiro olhando apenas para fluxo de caixa é arriscado. Como resolver isso?"

Com o tal do DRE. Esse é o conceito mais básico de matemática financeira que um empreendedor precisa conhecer. DRE é a sigla para Demonstrativo de Resultados do Exercício.

O DRE é um relatório contábil que apresenta de forma detalhada o desempenho financeiro de uma empresa em um determinado período (geralmente um ano). Com o DRE, você consegue enxergar o resultado líquido do período, ou seja, você consegue saber se a empresa teve lucro ou prejuízo.

Com o DRE, você tem acesso a outra dimensão financeira de uma empresa, que também te permite fazer análises mais gerenciais, como, por exemplo, identificar áreas de ineficiência financeira. Com o DFC, você apenas sabe se tem ou não dinheiro em caixa. Com o DRE, você entende, no detalhe, o uso desse dinheiro.

É importante lembrar que um não substitui o outro. Para uma boa gestão financeira, você precisa controlar tanto receitas e despesas (DRE) quanto entradas e saídas (DFC).

Existem tecnologias que te permitem fazer isso de forma otimizada, como o método das partidas dobradas. Também existem softwares que facilitam a aplicação desse método (se você sabe programar em Python, uso e recomendo o Beancount).

Como fazer o DRE de um SaaS?

Antes de entrar no detalhe de como criar e analisar o DRE de um SaaS, acho importante fazer um disclaimer.

Tudo o que vou apresentar para você é o modo como EU faço. Tudo o que eu aprendi sobre matemática financeira foi somente com o objetivo de resolver os meus problemas. Eu nunca fiz nenhum tipo de curso formal nessa área, ou algo do tipo. Meu conhecimento veio de amigos, vídeos no Youtube e alguns poucos livros.

Também é importante dizer que meus relatórios servem somente para uma visão gerencial, e não contábil. Provavelmente, os meus conceitos são diferentes dos conceitos dos meus contadores (tanto que, quando tentei explicar meu DRE pra um deles, ele não entendeu muito bem). Para assuntos contábeis, não hesite em consultar e contratar um BOM contador.

Dito isso, vamos ao que interessa.

Um DRE é constituído basicamente de duas colunas: receitas e despesas. A soma dessas duas colunas traz a informação mais importante de todas: a lucratividade de uma empresa.

Receita

Receita é todo o dinheiro que foi faturado. Preste bem atenção, pois não estamos falando de todas as vendas. Também não estamos falando de todo o dinheiro recebido. Você pode vender, e não faturar (não recomendo). Você também pode vender, e não receber (também não recomendo rs).

Eu considero receita toda a venda feita e que gerou uma nota fiscal. Estornos, por exemplo, não contam, pois é um dinheiro que não foi faturado. Vejo, inclusive, que é uma prática comum no mercado esperar passar os 7 dias de garantia por lei para emitir a nota fiscal, justamente para não faturar compras estornadas.

Aqui no Tintim, eu lanço como receita o valor da compra faturada, mas já considerando o desconto do gateway de pagamento. Faço isso pois, na prática, eu não tenho a escolha de não pagar essas taxas. Diferentemente de impostos, por exemplo, que posso escolher não pagar (e arcar com as consequências dessa escolha).

Importante dizer também que, para um DRE, não importa se a venda foi paga à vista ou se foi parcelada. Um DRE deve considerar sempre o valor cheio da venda (e de uma despesa também).

Para fazer o lançamento dessa receita, eu a classifico pela sua natureza. No caso da Codevance (empresa dona do produto Tintim), a gente só vende o próprio Tintim (por enquanto). Portanto, toda a receita vem da venda de software. Mas eu poderia ter outras naturezas de receita, como, por exemplo, prestação de serviços de implementação, ou treinamentos.

Com receitas, não tem muito segredo. Basta lançar e classificar o que é faturado.

Despesas

Aqui é a parte que nos interessa. É analisando as despesas que você consegue enxergar para onde está indo o dinheiro da empresa, e quais são os pontos a melhorar.

A primeira coisa que faço é separar o que é custo e o que é despesa. Segundo a definição que aprendi anos atrás (e que provavelmente não é a mesma definição contábil), custo é todo o dinheiro gasto para que haja o faturamento. Já a despesa é um gasto que vai existir, independente de haver faturamento, ou não.

O salário de um colaborador, por exemplo, é uma despesa. Isso porque você, como dono da empresa, precisa pagar o salário do seu funcionário, independentemente de haver ou não vendas. Agora o imposto é um custo, já que, se não houver faturamento, não há imposto a ser pago (caso sua empresa esteja classificada no Simples Nacional).

O principal motivo de entender se um gasto é custo ou despesa é que não há problema em aumentar custos, pois, na teoria, com o aumento do custo vem o aumento do faturamento. Já as despesas devem ser mantidas ou cortadas, pois não impactam diretamente no aumento de faturamento.

Aqui no Tintim eu elenquei poucas categorias de custos. Eles são classificados dessa forma:

  • Marketing: basicamente, investimento em compra de mídia e contratação de freelas;
  • Comissão de vendas: essa é a remuneração variável dos vendedores;
  • Impostos: infelizmente, preciso alimentar a sanha do nosso ministro da economia.

Já as despesas, gosto de classificar dessa forma:

  • Administrativo: custos burocráticos, como gateway de pagamento, contador, advogado, etc.;
  • Equipamentos: computadores, câmeras, microfones, etc.;
  • Ferramentas: automações, CRM, plataforma de atendimento, Google Workspace, etc.;
  • Infraestrutura: gastos com servidores e serviços de infra, como Heroku, AWS, Azure, etc.;
  • Pessoal: todos os gastos relacionados ao nosso time e também aos prestadores de serviço. Salários, bônus, cursos, reembolsos, etc.

Números que olho todo mês

Como diria o Deivison, do canal Vivendo de SaaS: eu trato meu negócio como se fosse a vendinha da esquina. As duas métricas que me importam, no mês a mês, são lucratividade e caixa.

Olho para a lucratividade mês a mês para entender como foi o desempenho financeiro da empresa no período. Caso haja alguma anormalidade, olho os custos, ou receitas, para entender o que houve.

Olho o caixa todo mês para saber como está a saúde da empresa. Como diria Marcelo Germano, do EAG: faturamento é vaidade, lucro é sanidade, e caixa é rei. O caixa é o oxigênio da empresa. Sem caixa, uma empresa morre.

Espero que esse breve texto te ajude a tomar consciência da importância de fazer um bom controle financeiro do seu SaaS.

Não se assuste com os termos. É bem mais simples do que parece. Usando o Beancount, que citei acima, eu automatizei esse controle quase que em 100%. Hoje em dia, eu gasto cerca de 5min semanais para atualizar o controle, e cerca de 1h, na primeira sexta-feira do mês, para fazer o fechamento e apuração de resultados do mês anterior.

Para aprender mais detalhes sobre o assunto, recomendo o canal Empresa Auto Gerenciável, do Marcelo Germano. Grande parte do que aprendi sobre finanças e gestão foi com ele. Aprendi muito com o Henrique Bastos também. Ele, inclusive, postou todos os seus cursos gratuitamente há algum tempo em seu canal. Infelizmente, o Eu Empresa não está lá. Enche o saco dele lá no Twitter, e quem sabe, ele não posta esse também.

Abraços


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Além disso, pretendo também compartilhar outras coisas, como um pouco dos bastidores da construção de um negócio SaaS, as minhas opiniões e meus aprendizados. A ideia geral é ser uma documentação pública e estruturada dos meus pensamentos e aprendizados ao longo dos anos.

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