Benefícios sobre empreender que pouca gente comenta
A vida de um empreendedor é repleta de altos e baixos. Em pouco tempo e em muitas vezes você vai do céu ao inferno em questão de dias, quando não, de horas. Nos momentos de alta a gente curte, mas nos momentos de baixa a gente questiona muita coisa.
E aí, será que empreender vale a pena? Ou era melhor ter prestado aquele concurso para a Prodam? Na edição de hoje da Newsletter do Moa, eu decidi escrever sobre os riscos e os benefícios de desenvolver uma carreira como empreendedor.
Bora lá?
Empreender vale a pena?
Havia um programa no SBT chamado Disney CRUJ. CRUJ é a sigla para Comitê Revolucionário Ultra Jovem. Esse "comitê" de crianças se reuniam em um porão para transmitir desenhos através de um sinal de TV pirata. Esse porão era acessado por uma passagem secreta em uma porta de armário. Para que a porta se abrisse, era necessário digitar uma senha em uma calculadora. Me lembro como se fosse hoje do meu fascínio, não pelo programa de TV em si, mas por toda essa geringonça construída por aquelas crianças.
Desde pequeno eu gosto de criar projetos. Não era raro aparecer, nas minhas imaginações de criança, eu criando um porão estilo Disney CRUJ. Não à toa eu, um pouco mais tarde, acabei me apaixonando pela programação.
A minha primeira construção, quando aprendi alguma coisa sobre HTML, foi um site de gifs animados. Fiz, também, um site para baixar episódios de animes. Fiz um blog para compartilhar dicas para webmasters. Nessas primeiras incursões pela tecnologia, lembro de sempre de estar construindo algo.
Depois, mais adolescente, eu e todos meus amigos caímos na onda do Tíbia. Era um jogo MMORPG que era febre entre os adolescentes (e até hoje continua fazendo algum sucesso). Nunca fui muito bom no Tíbia, mas me lembro de ter um "projeto" para o meu personagem no jogo. Eu lia tutoriais de "como chegar ao lvl 40" e então buscava reproduzir. Eu queria "construir" um personagem.
Mais velho, já adulto, esse tesão por construir projetos foi canalizado para o lado profissional. Com menos de 20 anos eu já estava trabalhando como desenvolvedor de software. Paralelo aos projetos da empresa que eu trabalhava, eu criava projetos pessoais.
Em 2009 eu fiz um robô que lia hashtags no Twitter e fazia uma divulgação, baseado no conteúdo daquela hashtag. Ainda nessa época eu e mais 3 amigos resolvemos aproveitar essa nossa habilidade de construção de sites e passamos a vender sites para os comércios da região.
Depois disso ainda fiz um monte de coisas. Criei um serviço de fotografia para casamentos. Criei o Instaplay, um serviço que monitorava fotos postadas com determinadas hashtags no Instagram, imprimia essa foto e entregava de lembrança em eventos. Fiz o Instazen, um robô que monitorava hashtags no Instagram e interagia com aquela foto, com o objetivo de gerar engajamento e atrair seguidores. Também vendi seguidores para redes sociais. Vendi produtos no Mercado Livre. Aproveitei um software de RPA que desenvolvi em um freela e tentei vender para clínicas. Cheguei a arriscar alguns passos como afiliado e também com um ecommerce de semijoias.
Nenhum desses projetos teve sucesso financeiro. A única prática que trazia dinheiro era a prestação de serviços como programador. O primeiro projeto de sucesso que tive, de verdade, foi justamente a evolução dessa prática. A Codevance foi minha primeira empreitada de sucesso.
Depois de uns 2 anos de Codevance, acabei entrando como sócio no projeto Python Pro (que depois virou DevPro) e emplacamos mais um sucesso. Depois de 3 anos de trabalho na DevPro, decidimos separar nossos caminhos e eu acabei criando o Tintim, que é o projeto ao qual me dedico full-time atualmente.
Como você pode ver, foram muitos projetos e tentativas. Grande parte deles aconteceram paralelamente aos meus empregos e às minhas prestações de serviço como programador. Hoje, olhando para trás, percebo que o meu desejo de empreender me levava a esses projetos. Entretanto, a minha mentalidade, orientada à busca pela segurança, me impedia de mergulhar de cabeça nesses projetos. Essa "vida dupla" me impedia de ter sucesso. Tanto que o meu primeiro sucesso foi a Codevance, justamente o primeiro projeto no qual eu mergulhei de cabeça.
Apesar do relativo sucesso nos meus últimos projetos, empreender está longe de ser uma jornada linear. Durante as crises de confiança causadas pelos altos e baixos do empreendedorismo, não foram poucas as vezes que eu questionei a minha trajetória. "Será que eu deveria ter tido mais foco? Será que eu deveria ter focado em construir uma carreira sólida, ao invés de ficar nessa busca por criar algo meu?". Por dezenas de vezes, pensamentos como esses pairavam sobre minha cabeça.
Hoje, mais maduro emocionalmente e com um nível de autoconhecimento muito maior, eu consigo entender as motivações de eu ter feito tudo o que fiz e, principalmente, consigo entender que não teria como ser diferente.
Como já contei aqui algumas vezes, eu nasci em uma família de pais separados e de classe média baixa. Tanto meu pai quanto minha mãe viviam "vendendo o almoço para comprar a janta".
O sonho de quem vive em um cenário de instabilidade financeira é justamente… alcançar estabilidade financeira. Maslow explica isso muito bem. Para quem não conhece, a pirâmide de Maslow é um modelo psicológico que categoriza as necessidades humanas em diferentes níveis. Esses níveis possuem uma certa hierarquia entre si, ou seja, algumas necessidades têm prioridade sobre outras.
Estabilidade financeira é uma necessidade de segurança. Como você pode ver, a necessidade de segurança é uma das necessidades mais básicas, que só perde para as necessidades fisiológicas.
É perfeitamente compreensível que uma pessoa que, todo mês, precisa escolher qual conta vai pagar, sonhe com os benefícios de um salário garantido pingando na sua conta mensalmente.
Foi assim que eu cresci: vendo meus pais escolhendo, todo mês, qual conta iam pagar. E foi, devido a esse contexto, que meus pais batalharam duro para me dar uma educação de qualidade. Batalharam duro, também, para incutir na minha cabeça que eu deveria buscar estabilidade financeira.
Eu tinha essa mentalidade tão fortemente incrustada dentro do meu inconsciente que, antigamente, largar tudo para empreender sequer era uma escolha. Lembro de ver amigos pegando empréstimo no banco para abrir seu negócio e pensando "meu Deus, que cara maluco". Na minha cabeça, os meus side projects seriam sempre isso: side projects. Eu nunca largaria um emprego "garantido" por algo incerto.
Eu fui treinado a minha vida inteira, para, ao invés de buscar a vitória, buscar "não perder". Acontece que, apesar de ter essa mentalidade, eu sempre tive um ímpeto natural justamente para o empreendedorismo, que necessita de uma mentalidade completamente oposta. Talvez por isso eu tenha vivido uma "vida dupla" durante a primeira década da minha carreira.
Eu nunca consegui parar muito tempo num emprego. Refletindo enquanto escrevo esse texto, eu percebo que, quanto mais velho eu fui ficando, menos tempo eu ficava nos lugares. Inconscientemente, eu acabei percebendo que o caminho natural para isso era "criar meu próprio emprego".
Durante anos eu me senti culpado por essa postura de ficar pouco tempo nos projetos. Sempre enxerguei como "vagabundice", ou "falta de comprometimento". Hoje, eu percebo que nunca foi sobre falta de comprometimento. As motivações eram muito mais profundas.
Eu sempre me dediquei muito em todos os lugares em que trabalhei. Sempre tive um nível de exigência muito alto com o trabalho que eu entregava. Tanto que praticamente todos os meus empregos e, mais tarde, clientes, chegaram até mim através de indicações.
Hoje eu percebo que o que me fazia ficar pouco tempo nos lugares era o desalinhamento de expectativas. Na realidade eu nem sabia o que queria direito. Eu, inconscientemente, idealizada o emprego perfeito, e isso nunca aconteceu.
Some a isso também o fato de que, antes da Codevance e da Python Pro, não houve nenhum projeto que eu trabalhei que me brilhou os olhos. Sem dúvidas trabalhei em projetos legais e que dão orgulho, mas, na ocasião, o motivador sempre foi o contexto. Se pintasse uma oportunidade que pagava bem, eu estava dentro.
Hoje, depois de mais de 5 anos de uma jornada profunda de autoconhecimento, com muito estudo e muita psicanálise, eu percebo que eu simplesmente não tenho o perfil de um trabalhador padrão. Muito pelo contrário. Eu sou horrível para "cumprir ordens". Eu tenho um perfil muito questionador. Eu preciso saber o porquê das coisas. Eu me sinto muito melhor, também, contribuindo de forma estratégica, e não no operacional. Eu nunca tive oportunidade de exercer essas características em nenhum dos empregos pelos quais passei. Os únicos lugares em que consegui fazer isso foram nas minhas empresas.
Só que eu só enxergo isso hoje. Como eu disse, durante muuuuito tempo, eu achava realmente que essa postura era falta de comprometimento. Esse sentimento negativo me fez questionar várias vezes quais seriam as consequências profissionais de "não ter um bom currículo". Eu tenho pouca "experiência corporativa". Nunca liderei grandes times. Nunca tive o desafio de lidar com outras áreas e exercer política e diplomacia. Esses "gaps" sempre me deram medo.
"E se eu quebrar e precisar voltar para o mercado? Será que vão me contratar? Será que eu tenho as habilidades necessárias para o mercado de trabalho?"
Nassim Taleb e o Antifrágil
Todo mundo que tem algum tipo de interesse pelo mercado financeiro já ouviu falar de Nassim Taleb. Se não é seu caso, eu te apresento a figura. Taleb é um ensaísta, pesquisador e ex-operador financeiro conhecido por seu trabalho sobre risco, probabilidade e incerteza. Ele é conhecido por um estilo de escrita mais provocativo e polêmico, quase sempre pensando na contramão das normas e práticas estabelecidas em finanças e economia. Ele ganhou MUITO dinheiro assim, então ele pode.
Um dos conceitos mais difundidos por ele é o conceito de antifragilidade. Taleb define antifragilidade como uma propriedade de sistemas que se tornam mais capazes ou mais fortes como resultado de estresses, choques, volatilidade ou incertezas. Frágil é aquilo que é danificado quando exposto a estresse e desordem. Robusto é aquilo que simplesmente resiste. Antifrágil é aquilo que melhora ou se beneficia de uma condição adversa.
O exemplo que Taleb usa no seu livro é da Hidra, monstro da mitologia grega que aparece no segundo dos doze trabalhos de Hércules. A Hidra possui nove cabeças e a sua principal característica é que, quando cortamos uma de suas cabeças, outras duas aparecem no lugar. Daí vem sua antifragilidade.
Um outro exemplo, mas real e palpável, é o nosso sistema imunológico. Nosso corpo, quando exposto a um patógeno, acaba se fortalecendo e desenvolvendo imunidade. "Aquilo que não me mata só me fortalece" é a frase que expõe essa antifragilidade.
Outro conceito muito difundido por Taleb é o tal do "Cisne Negro". Um Cisne Negro é um evento raro, extremamente impactante e imprevisível, que só parece óbvio e explicável em retrospectiva. O grande argumento de Taleb é que o ser humano é completamente incapaz de prever Cisnes Negros.
Adotar uma postura antifrágil é importante porque permite não apenas resistir a choques, incertezas e estresse, mas também se beneficiar e crescer com eles. A complexidade do mundo moderno o torna cada vez mais imprevisível e cheio de Cisnes Negros. A antifragilidade é o que garante que a gente consiga se adaptar, aprender e, principalmente, se fortalecer a partir dos desafios e das mudanças, ao invés de ser destruído ou simplesmente sobreviver.
Trazendo esses conceitos para a minha realidade, eu percebo que, por sorte e meio sem querer, eu acabei adotando uma postura antifrágil em relação a minha carreira. **Empreender é adotar uma postura antifrágil. **
Eu perguntei para o ChatGPT quais são as principais características de um bom líder. Ele me respondeu que um bom líder deve ter visão, deve se comunicar, deve ter empatia e inteligência emocional, deve ter integridade, flexibilidade e adaptabilidade, deve saber resolver problemas, deve ser inspirador, deve assumir responsabilidades, ter paixão, comprometimento e, principalmente, ter resiliência.
Em seguida, eu perguntei quais são as principais características de um bom empreendedor. A resposta foi praticamente a mesma. Empreender te deixa preparado para qualquer desafio na vida.
Eu pude perceber isso na prática no finalzinho do ano passado. Ao contar para colegas e amigos que eu havia saído da DevPro, eu acabei recebendo algumas sondagens e propostas de trabalho. Muito boas propostas, inclusive. Fui sondado para tocar uma nova unidade de negócio em uma grande startup. Recebi, também, um convite para gerenciar um time de tecnologia de mais de 50 pessoas.
Essas oportunidades me fizeram perceber que o meu trabalho como empreendedor me capacitou a participar de grandes projetos. Acredito que aí está a antifragilidade da minha profissão. Para conseguir empreender, eu precisei desenvolver habilidades que, além de serem úteis na construção do meu negócio, também são habilidades requisitadas pelo mercado de trabalho.
Com tudo dando certo no meu empreendimento, eu terei sucesso. Se aparecer um "cisne negro" e eu falhar como empreendedor, a trajetória me fez desenvolver habilidades que me tornam um profissional requisitado pelo mercado. Se der certo, eu ganho. Se der errado, eu também ganho. Totalmente antifrágil.
Para finalizar, um recado: se você está na posição do Moacir de alguns anos atrás, com medo de perder suas garantias ao arriscar empreender, eu espero que esse texto te ajude. Não tenha medo de empreender. Planeje-se, junte uma grana, faça um colchão financeiro de segurança e se jogue. Se der certo, você ganha, se der errado, você desenvolveu uma série de habilidades que te tornarão um profissional melhor.
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