A paternidade e o empreendedorismo
Ser pai é uma das experiências mais desafiadoras e transformadoras que alguém pode vivenciar. Ser um empreendedor também. Ambas funções trazem consigo uma montanha-russa de emoções e desafios inesperados.
Na edição de hoje da Newsletter do Moa, eu compartilho minhas vivências, aprendizados e as lições que essas duas jornadas me ensinaram.
Mais uma noite…
São duas da manhã da madrugada de domingo para segunda-feira. O Giovanni, meu filho de 10 meses, está berrando incessantemente no quarto dele. Eu estou no meu quarto. Acabei de voltar de lá. Minha mulher ficou. Decidiu esticar um colchão e ver se, estando ao lado da mãe, ele para de chorar e dorme.
Nesse momento, deitado na cama, sem conseguir voltar a dormir, eu começo a escrever, mentalmente, o texto de hoje.
É final de feriado prolongado. Um feriado em que praticamente todos os dias não conseguimos dormir direito durante a noite. Além disso, às 6h da manhã em ponto, somos obrigados a levantar para cuidar do reloginho em forma de bebê que, além de não dormir durante toda a noite, acorda junto com as galinhas.
Durante todos os dias do feriado o Giovanni acordou diversas vezes na madrugada (mais de 5 por noite, com certeza). Ele acorda chorando desesperadamente e chamando pela mãe. Devido a essa descarga de hormônios causada pelo desespero, ele desperta e demora cerca de 1h para voltar a dormir. Esse processo segue se repetindo ao longo da noite.
A minha esposa é quem segura as pontas. Ela é quem vai acalmar a ninar novamente a criança. Eu tento ajudar, em vão. Nesse momento a criança só quer saber de uma pessoa: a mãe.
Nessas horas a gente tenta de tudo para fazer a criança parar de chorar. É aí que a gente queima a língua. Aquelas falas imponentes e arrogantes, do tipo "não se pode colocar a criança para dormir na cama dos pais em hipótese alguma", caem por terra. Às 3h da manhã, com um choro estridente e em máxima potência na sua orelha, ninguém quer saber de fazer o "certo". Você só quer que a criança pare de chorar e deixe você dormir.
O Giovanni dorme mal desde sempre. Quando vejo amigos dizendo que seus filhos dormem durante bem, com poucos despertares e sem maiores dificuldades, eu sinto um misto de inveja com descrença. Nesse fim de semana mesmo, um casal de amigos estavam "contando vantagem" (olha a inveja) sobre como seu filho embalou e dormiu 11h seguidas, sem reclamar nem chamar os pais uma única vez. Como pode isso? Isso é tão inimaginável para mim que mal consigo acreditar.
A gente não sabe porque o Giovanni dorme tão mal. Desconfiamos de alguns motivos, sim. Até porque, desconfiar que existe algum motivo é o que mantém a esperança de que, um dia, isso vai acabar. Mas, na real, eu acho que isso é algo dele. Ele é uma criança ativa e esperta que prefere estar acordado do que dormir. Simples assim.
Já tentamos de tudo. Chazinho no banho. Chazinho na mamadeira. Ruído branco. Musiquinha. Até uma consultora especializada em sono do bebê a gente contratou. No começo da consultoria, inclusive, houve uma boa melhora. Mas ficou nisso. Veio uma infecção, depois um dente estourando, depois uma vacina e, no fim das contas, ainda não conseguimos estabelecer uma rotina. Essa melhora vai, volta, e, na média, ainda segue ruim.
Caso você não tenha filhos, você deve estar pensando "ah… uma noite mal dormida, pô. Dá pra aguentar numa boa". Sim, uma noite mal dormida dá pra aguentar. Agora, várias noites mal dormidas durante dias consecutivos, aí fica mais difícil.
Essa sequência de privação de sono acaba com você. Seus nervos ficam à flor da pele. Você fica mal humorado e cansado. Seu cérebro não funciona direito e você fica burro. A privação de sono afeta tanto o seu bem estar que ela pode ser usada, literalmente, como um instrumento de tortura.
Além de acabar com o humor, afeta diretamente o psicológico também. Você se sente um péssimo pai por não conseguir fazer seu filho dormir. Você se sente um péssimo marido por não conseguir ajudar sua mulher. Você se sente culpado por sentir raiva de uma criança inocente (mas que possui o choro mais estridente que você ouviu na vida).
Agora… por que eu estou te contando tudo isso?
A relação entre o empreendedorismo e o nascimento de um filho
O nascimento do primeiro filho é algo completamente novo na vida de uma pessoa. É um mergulho, de cabeça, rumo ao desconhecido. Quando nasce um filho, nasce também um pai e uma mãe.
O nascimento da primeira empresa também é algo novo na vida do empresário. Você também mergulha rumo ao desconhecido. Quando nasce a empresa, nasce também um empresário. Guardada as devidas proporções, existem muitos paralelos entre a paternidade e o empreendedorismo.
Eu acabei de perguntar para o ChatGPT quais são as dificuldades de empreender. Ele me passou uma lista com diversos elementos. Vou listá-los aqui abaixo e traçar alguns paralelos com a paternidade.
Um dos problemas mais básicos que o empreendedor precisa enfrentar é a falta de recursos. O pai e a mãe então, nem se fala. Não só falando de recursos financeiros, mas também de braço e de tempo. Aqui no meu caso, a Nathalia precisa cuidar do Giovanni. Eu preciso cuidar do sustento. Quem cuida da casa? Quem cuida da gente?
Devido a falta de recursos, um dos pontos fundamentais para o empreendedor é fazer uma boa gestão de tempo. O mesmo vale para a paternidade. Como cuidar da criança, trabalhar, estudar, fazer exercício físico, arrumar a casa, cuidar da saúde, cuidar da vaidade, passar a noite em claro e ainda viver a vida? Depois que a empresa nasce você percebe que antes tinha tempo livre. Depois que seu filho nasce você percebe que antes você tinha MUITO tempo livre.
Tem também as incertezas e os riscos. Na empresa você precisa lidar com a incerteza do sucesso daquele novo canal de venda, ou a dúvida se o time vai conseguir bater a meta. Na paternidade, os medos são muito mais profundos: e se meu filho ficar doente? E se ele não se adaptar na escola? E se eu estiver mimando muito essa criança? E se ele não conseguir dormir direito nunca na vida?
E as mudanças de mercado? Na empresa o seu planejamento estratégico precisa aguentar a subida da taxa de juros, a recessão econômica, a invenção do ChatGPT. Na paternidade, você contrata uma consultora de sono crente que agora seu filho vai voltar a dormir e, de repente, vem infecção, dor de dente e salto de desenvolvimento, tudo junto, arruinando todo o trabalho feito até então.
Tem também a pressão e o estresse. No empreendedorismo você precisa lidar com a pressão de ter que bater a meta. Com o estresse de discutir com o sócio, ou de ter que cobrar um liderado que não está performando como esperado. Na paternidade você precisa manter a paz com a sua esposa. Como que fica sem brigar depois 5 noites seguidas sem dormir? Como que mantém a calma com um berro estridente na sua orelha às 3h da manhã? Como que não manda a merda aquele monte de gente que insiste em ser desagradável e dar pitaco sobre como você deve criar seu filho?
Ainda tem também as adversidades e os fracassos. O fracasso é parte constante da vida do empreendedor. Um sim é composto de vários nãos. Um sucesso é composto de pequenos fracassos que servem como fonte de aprendizado. Na paternidade, o buraco é muito mais embaixo. Como lidar com o orgulho quando você percebe que não é melhor que ninguém e que criar um filho é MUITO mais difícil do que você imaginava?
E, por fim, depois de tudo isso, ainda precisamos manter a motivação. Um dos principais papéis, como empreendedor, é manter o time motivado e acreditando que é possível alcançar a meta. Na paternidade, você precisa manter a esperança de que tudo isso é só uma fase. De que essas noites sem dormir são passageiras e que, em breve, você voltará a ter paz e viver uma vida "normal" (doce ilusão kkk).
Depois que meu filho nasceu, uma das frases que minha mulher ouve muito diz que "ser mãe é padecer no paraiso". Guardada as devidas proporções, esse ditado também vale para o pai. Ser pai é, de longe, o maior desafio que você vai enfrentar em sua vida. Sem dúvidas, também será a melhor e mais gratificante experiência.
Com o empreendedorismo é parecido. Obviamente, é desleal comparar o desafio e a gratificação de empreender com a de ser pai. Mas a lógica é a mesma. É muito prazeroso ver uma galera trabalhando com gosto em prol de algo que você idealizou. É muito gratificante construir algo legal, que impacta positivamente a vida de diversas pessoas. É muito legal ver o seu trabalho e o trabalho do seu time dando resultados positivos, tanto financeiramente, quanto socialmente falando.
O que eu aprendi depois de alguns anos empreendendo e, agora, alguns meses sendo pai, é que grandes conquistas custam alto, levam tempo e requerem uma grande dose de sacrifício. Criar uma empresa é muito sacrificante. Criar um filho é um milhão de vezes mais.
Por isso, a melhor dica que eu posso dar para você é que, se você quiser empreender, ou ter um filho (ou os dois, como no meu caso), você precisa aprender a "se manter confortável no desconforto".
Ao invés de resistir e brigar com a adversidade, aceite-a. O ofício do empreendedor é resolver problemas. Do pai também. Desenvolva sua resiliência emocional para aguentar os altos e baixos do empreendedorismo e também as noites mal dormidas aguentando o choro estridente do seu filho. Aceite que sua vida vai ficar muito mais difícil e que você vai precisar sair da zona de conforto e se adaptar. E, por fim, aceite que você vai fracassar. Você vai fracassar sendo empreendedor. Você vai fracassar sendo pai. O importante é trabalhar para fracassar em coisas pequenas e passíveis de erro. Um sucesso é feito de pequenos (novos) fracassos.
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