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REFLEXÃO SOBRE MAIORIDADE KANTIANA

Aviso

O texto a seguir foi escrito por mim, e tem como base o tema da radação da Fuvest 2017, e por mais que seja longo, o texto é de fácil entendimento e recomendo que todos leiam

Texto em si

A pergunta "O homem saiu de sua menoridade?" nos remete a um questionamento fundamental sobre a capacidade de autonomia humana em nossa sociedade. Baseando-nos no texto de Immanuel Kant, "Resposta à pergunta: O que é Esclarecimento?", podemos analisar como, mesmo após séculos de avanços tecnológicos e sociais, muitos indivíduos ainda permanecem em um estado de "menoridade", ou seja, uma condição de dependência intelectual em relação a autoridades externas, como governos ou instituições, que moldam seus pensamentos e decisões.

No contexto brasileiro, o sistema educacional pode ser visto como um dos principais instrumentos pelos quais o governo mantém a população em uma forma de menoridade. Kant argumenta que a menoridade não é causada pela falta de entendimento, mas pela falta de determinação e coragem para usar o próprio raciocínio. Nesse sentido, a doutrinação presente em certos aspectos do sistema educacional brasileiro pode ser vista como um mecanismo para impedir o desenvolvimento pleno da capacidade crítica dos cidadãos. A estrutura educacional, muitas vezes direcionada por interesses políticos, pode funcionar como um "andador de crianças", como mencionado por Kant, em que os alunos são condicionados a seguir roteiros pré-estabelecidos, sem que sejam incentivados a questionar ou desenvolver um pensamento autônomo.

Essa "tutela" governamental se reflete na falta de incentivo ao pensamento crítico nas escolas. Ao invés de promover o "Sapere Aude" (ousa pensar por si mesmo), lema central do Esclarecimento kantiano, o sistema educacional muitas vezes reforça a passividade intelectual. Os estudantes são encorajados a memorizar conteúdos, reproduzir ideias e aceitar explicações prontas, sem questionar as estruturas que os cercam. Assim como no exemplo de Kant, onde um médico escolhe a dieta do paciente ou um diretor espiritual decide pela consciência do indivíduo, o sistema educacional age como um "tutor" que impede o desenvolvimento de uma verdadeira autonomia de pensamento.

Além disso, Kant menciona que é cômodo permanecer na menoridade, e essa realidade é visível em nossa sociedade. Muitos preferem delegar a responsabilidade de pensar e decidir para autoridades, sejam elas políticas, religiosas ou intelectuais. Isso é facilitado por um sistema que, ao invés de encorajar a coragem de pensar por si mesmo, promove a repetição de discursos prontos. Essa situação é vantajosa para quem está no poder, pois um povo que não questiona é mais fácil de controlar. Ao manter a população em um estado de menoridade intelectual, o governo garante que seus interesses e ideologias permaneçam incontestados.

Aqueles que tentam sair dessa menoridade e desenvolver um pensamento independente são, muitas vezes, desencorajados ou marginalizados. Assim como os tutores mencionados por Kant, que intimidam seus "protegidos" ao mostrar os perigos de andar sozinhos, o sistema educacional brasileiro pode criar barreiras para aqueles que ousam questionar. A ideia de que o pensamento crítico é arriscado ou desnecessário é constantemente reforçada, mantendo a maioria das pessoas na zona de conforto intelectual.

Portanto, à luz da reflexão kantiana, é possível argumentar que grande parte da população brasileira ainda não saiu de sua menoridade. O governo, por meio do sistema educacional, desempenha um papel crucial em manter a sociedade sem a capacidade de fazer escolhas autônomas e conscientes. Apenas quando houver um verdadeiro incentivo ao pensamento crítico e à autonomia intelectual, poderemos dizer que o homem finalmente saiu de sua menoridade. É preciso coragem, determinação e, sobretudo, a ousadia de pensar por si mesmo para romper as correntes da tutela governamental e alcançar a verdadeira liberdade intelectual.

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Penso que o Sapere Aude é o famoso Tenha Brio de Clóvis de Barros. Kant diz explicitamente, logo no primeiro parágrafo: "O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem." E complementa no segundo: "A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens continua de bom grado menor durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles."

Não é só o Estado; a família e a sociedade civil também promovem essa atitude. Por exemplo, você entra numa livraria e logo de cara encontra títulos como "A História da Filosofia para quem tem pressa", "Diário Estoico: 366 lições sobre sabedoria", "Nietzsche para estressados", etc. Então, você recebe uma imagem no zapzap sobre a polêmica política da semana; se é verdade ou não, não importa. O que importa é que o meme ataca alguém que você já odeia e, portanto, para você, tem efeitos de verdade. Afinal, o que você sabe sobre direito veio de um áudio de um resumo de um artigo que simplifica — quando não deturpa — algo que está no Código Civil, ou de um livro com o título próximo de "O Mínimo sobre Direito".

Um famoso charlatão da internet, que de fato estudou mais que a maioria das pessoas, num vídeo diz que o cerne do pensamento de Kant está num texto — mais ou menos desconhecido — que fala sobre a hipótese de vida extraterrestre. Você vai no Google e descobre que, de fato, Kant escreveu tal texto. Pronto! Esse cara agora está um passo mais perto de te convencer de que seu professor te escondeu isso e portanto faz parte de uma conspiração para te manter na "menoridade". A culpa não é sua por nunca ter ido atrás de conhecer a Crítica da Razão Pura, não é? Imagina. Por consequência, a própria expressão "Pensamento Crítico" se torna vazia, se você não estuda nada é impossivel responder esse tipo de coisa.

"Que, porém, um público se esclareça a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável." Se não te importa o que era liberdade para Kant, esse trecho facilmente vira munição para aquele debate merda sobre liberdade metafórica. Basta um palhaço subir num carro de som e falar "liberdade, liberdade, liberdade" por 30 minutos, e você se identifica. Não te importa se no final do texto Kant acrescenta: "Um grau maior de liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo e, no entanto, estabelece para ela limites intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto possa."

Sobre obedecer: "Ora, para muitas profissões que se exercem no interesse da comunidade, é necessário um certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, mas deve-se obedecer." Perceba que Kant não era um ingênuo do tipo "duvide de tudo" ou "questione as autoridades". O projeto é fazer VOCÊ ir atrás do saber, trazer as descobertas a público e obedecer quando for a hora de obedecer. Isso se confirma adiante, quando Kant fala sobre o ensino da religião: "O uso que um professor empregado faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assembleia. Com relação a esse uso, ele, enquanto padre, não é livre nem tem o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência externa. Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome.".

"Se for feita então a pergunta: 'vivemos agora uma época esclarecida?', a resposta será: 'não, vivemos em uma época de esclarecimento'... Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual são culpados"; Kant publicou esse texto em 1784, um ano após a Constituição do ano I da Revolução Francesa, consequência do Iluminismo; havia um otimismo de que uma nova sociedade estava nascendo, uma nova sociedade civil estava se estabelecendo, o Estado moderno estava tomando forma. Inclusive, na França, por um tempo, foi instituído o "Culto da Razão". Nem Kant nem os franceses pensariam que no século XXI haveria gente duvidando de Newton e que, precisamente por duvidar de Newton, simplesmente por duvidar, essas pessoas se chamariam de "pensadores críticos".

Se o Estado, a sociedade civil e a família fazem pressão pra te manter na menoridade, ainda é SUA a responsabilidade de adquirir cultura e se formar.