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Em Busca da Qualidade na Engenharia de Software ou Escrevendo Código Limpo e Sólido

Introdução

Vamos direto ao ponto: escrever código de qualidade não tem nada a ver com aquelas tais boas práticas que se repetem ao vento como mantras. Escrever código sólido e limpo é muito mais sobre dominar ferramentas, técnicas e, acima de tudo, desenvolver um instinto afiado para detectar onde as problemas podem surgir e cortar o mal pela raiz antes que ele tenha qualquer chance de florescer.

Então, se você pensou que este post seria sobre Clean Code ou SOLID, bem, definitivamente não é. Mas, não se engane, essas palavras não foram escolhidas por acaso pelos autores desses termos e nem por este. Eles sabiam exatamente o que estavam fazendo quando cunharam esses nomes que, hoje, são repetidos por aí como hinos sagrados.

Pense nisso: se, em vez de SOLID, o acrônimo fosse LIDSO, ninguém daria a mínima. Não haveria adesivos em notebooks de desenvolvedores ostentando o acrônimo como um símbolo de orgulho. E se Clean Code chamasse Unstained Code? Esse livro que já causou muito mais debates e polêmicas do que deveria, seria só mais um entre tantos.

Aqui vai o grande truque: essas palavras chamativas servem a um propósito maior. Elas são como o arco dourado do McDonald's. Veja o filme sobre Ray Kroc. A verdade é que esses nomes, estas palavras poderosas, foram projetados para ser mais do que nomes — foram feitos para vender, para grudar na sua cabeça como um jingle de radio. Uma estratégia para seduzir, para se fazer acreditar que encontrou uma fórmula mágica. E, o mais impressionante, funciona!

Em busca da qualidade

Deixe-me contar uma história que não é tão conhecida. Em 1968, aconteceu primeira Conferência de Engenharia de Software, patrocinada pela OTAN. Se a OTAN não lhe parece um óbvio palco para esse encontro, pense novamente. É o auge da corrida armamentista, com o software sendo utilizado para controlar os sistemas de guerra mais avançados do mundo. Para ilustrar, Departamento de Defesa dos EUA empregava nada menos que 50% de todos os programadores daquele país. A crise do software, não era apenas um problema custoso, mas uma questão de segurança global.

Convidado pelos milatares algumas das mentes mais brilhantes da computação se reuniram na Alemanha, para enfrentar um desafio monumental: transformar a arte de programar em uma disciplina de engenharia. E foi lá que dois times, quase como facções rivais se formaram.

De um lado, tínhamos os acadêmicos liderados por Edsger Dijkstra, o gênio por trás do famoso algoritmo de caminhos mínimos. Para este clã de puristas matematicos, o objetivo era claro: o código deveria ser limpo, mas não apenas no sentido de legível ou claro. Para eles, um código "limpo" era impecável, que poderia ser formalmente provado como livre de erros.

Do outro lado, tínhamos Peter Naur um dos criadores do ALGOL, a linguagem de programação mais influentes da história, e os praticantes do desenvolvimento de software que tinham uma visão mais pragmática. Eles sabiam que, no mundo real, o software precisava ser confiável e resistente. Para este time, o objetivo era criar código "sólido" o suficiente para resistir a falhas inevitáveis e continuar operando de forma confiável, mesmo na presença de erros.

Dijkstra e Naur foram escolhidos para representar esses dois lados, não apenas por suas conquistas individuais, mas porque encapsulavam as filosofias fundamentais de cada abordagem. Mas não se engane: havia muitos outros gigantes presentes nessa conferência, cada um contribuindo para o que se tornaria a base da engenharia de software moderna.

E assim, em 1968, nasceram as sementes do que mais tarde se transformariam em dois monstros do imaginário da cultura popular do software: Esses conceitos, inicialmente desprovidos de nomes chamativos, foram refinados ao longo dos anos e, aos poucos, embalados e comercializados como a solução definitiva para todos os problemas do desenvolvedor moderno. produtos de marketing, parte de uma marca poderosa, porque encapsulam de maneira quase poética, o que os grandes desenvolvedores sempre buscaram.

As marcas por trás de Clean Code e SOLID capturam algo fundamental e universal. Eles não são apenas sobre o próprio contéudo da obra; são conceitos que tocam em necessidades básicas e profundas de todo e qualquer desenvolvedor de software. Quando alguém ouve "Clean Code", imediatamente pensa em código livre de complicações, fácil de entender e de manter — algo que todos queremos. "SOLID" por sua vez, evoca a ideia de um software robusto, confiável, capaz de resistir ao teste do tempo e das adversidades.

E essas promessas são irresistíveis. É por isso que vende — e vende muito. Porque, no fundo, todos nós estamos em busca de um código que seja tão claro quanto possível e tão sólido quanto necessário. Clean Code e SOLID nos vendem essa visão de um código ideal. Eles encapsulam a esperança de que, ao seguir esses princípios, podemos criar software que não só funciona bem, mas que tem qualidade.

Conformidade: A Essência da Qualidade

Então antes de gastar seu dinheiro suado naquele curso online com um nome pomposo, aqui vai um conselho: a ata dessa conferência está disponível. E acredite, você vai aprender muito mais sobre como escrever código realmente sólido e limpo lendo as discussões entre diversos laureados do prêmio Turing do que assistindo qualquer video sobre Clean Code ou Solid. A qualidade de um software não está em um acrônimo bonitinho ou em um livro popular. A verdadeira qualidade está em entender como ser sólido e limpo, e aplicar isso com cuidado e zelo em cada linha de código que você escreve.

Vamos pensar nas definições clássicas de clean e solid — aquelas que se encontra em qualquer dicionário:

  • Clean: Livre de sujeira, manchas ou impurezas; algo puro, desprovido de imperfeições. Também pode significar simples, direto, sem complicações ou ornamentos desnecessários.

  • Solid: Firme, estável, resistente; algo que não se altera facilmente e é confiável. Pode também significar completo, sem lacunas ou espaços vazios, algo que inspira confiança por sua robustez.

Agora veja bem, de acordo com a ISO/IEC 25010, qualidade é definida como “o grau em que um produto, sistema ou serviço satisfaz sua espeficição e as necessidades implícitas". Em outras palavras, qualidade é a certeza de que o software faz o que foi prometido e necessário, de forma clara e robusta.

Prática Deliberada: O Caminho para a Qualidade

E é aqui que chegamos ao ponto crucial: não existe mágica, não existem atalhos. A excelência no desenvolvimento de software não vem de nomes bonitos ou de seguir os últimos modismos. Ela vem de uma prática deliberada e constante. Então, em vez de buscar soluções fáceis ou truques rápidos, foque em desenvolver as habilidades que realmente importam.

Escrever código sólido e limpo é uma jornada que requer esforço contínuo. Aqui estão os pilares fundamentais que você precisa dominar para garantir que seu código tenha qualidade:

1.Requisitos: O Alvo Claro Sem requisitos claros, você está basicamente esculpindo gelo ou atirando em um alvo imaginário. Requisitos são a base de tudo — eles definem o que o software deve fazer. Qualidade começa com a especificaçãp dos requisitos. Eles são o critério pelo qual seu software será julgado. A clareza nos requisitos garante que você sempre tenha um alvo fixo para mirar e nunca perca de vista o que realmente importa no sistema que está construindo.

2.Testes: A Arte de Quebrar Esqueça a ideia de que testar é apenas para verificar se o código funciona. Testar é, na verdade, uma busca implacável para descobrir quando e como o código quebra. Boas práticas de teste começam com casos bem construídos e cobertura completa, mas isso é só o início. Mutation testing e fuzzers por exemplo. O objetivo não é apenas passar nos testes, mas fazer o código falhar de maneiras que você não previu, para que essas falhas possam ser corrigidas antes de chegarem à produção.

3.Depuração: O Processo Cirúrgico "Print" não é depuração. Se você realmente quer entender como seu código funciona — ou porque ele não está funcionando — você precisa viver dentro do gdb - ou qualquer outro depurador interativo, que, no fundo, são quase todos wrappers em torno do gdb, com exceção do como lldb para Swift ou Chrome DevTools para JavaScript. Debugar é a habilidade de dissecar seu código instrução por instrução, compreender cada nuance durante a execução. E lembre-se, uma vez que um bug é encontrado e corrigido, ele não deve nunca mais reaparecer.

4.Asserções: Falhe Alto e Claro Asserções são os guardiões silenciosos do seu código. Elas garantem que, se algo sair do trilho, você vai saber imediatamente. Um código de qualidade não ignora erros ou os deixa passar despercebidos. Ele falha alto e claro, para que possa corrigir e se recuperar do problema antes que ele cause um estrago maior.

5.Métodos Formais: O Sonho (Im)possível são o Santo Graal do desenvolvimento de software — a ideia de que você pode provar matematicamente que seu código está correto antes mesmo de executá-lo. Parece um sonho distante, certo? E realmente é. Mas não subestime o poder das pequenas doses de formalidade que podem transformar o seu código de algo frágil em uma rocha. Começa com aquele linter do Airbnb para JavaScript. Mas não pare por aí; dê o próximo passo para algo mais "sério", onde os tipos começam a impor algum respeito. E ainda não terminou: leve isso para o próximo nível com analisadores estáticos e ferramentas de sanitização. E se você realmente quer jogar na liga dos grandes, mergulhe no mundo dos theorem provers.

6.Revisões de Código: O Combate Intelectual "LGTM" em um pull request não é uma revisão de código. Uma revisão de código de verdade envolve todos na mesma sala (ou na mesma chamada), com pontos previamente selecionados para discussão. Revisões de código são um combate intelectual, onde todos os envolvidos devem estar preparados para lutar por suas ideias, até que se chegue ao consenso de que o código está no seu melhor estado possível. Talvez uma das vantagens do trabalho remoto seja que as revisões de código não acabam "nas vias de fato". Ou talvez, só talvez, isso signifique que estamos perdendo um pouco da intensidade que faz uma boa revisão. Mas o ponto é claro: se você não está disposto a entrar na briga, mesmo que seja só virtual, você não está revisando código de verdade.

Conclusão

Essas práticas não são fáceis. Elas não são rápidas. E certamente não vão te transformar em um mestre da programação do dia para a noite. Mas, aqui vai a verdade: nenhum livro ou curso vai fazer isso por você. É a prática constante, o trabalho árduo, e a experiência acumulada que realmente fazem a diferença. Você vai ter que documentar, implemntar, depurar, testar, revisar, e repetir tudo isso, incansavelmente, ano após ano.

Então, da próxima vez que ouvir sobre Clean Code ou SOLID, lembre-se: eles são apenas nomes bonitos. O verdadeiro desafio é viver esses princípios todos os dias na busca incessante pela qualidade. No final, é isso que separa o código limpo e sólido de todo o resto.

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