Câncer, metástase e outras coisas que não falamos - a notícia que muda tudo mas de fato não muda nada
Olá, é provável que você nem saiba disso mas recebi esse diagnóstico, de câncer com metástase no pescoço, em Março de 2022.
E aí? Mas por que isso importa?
Então, é uma notícia que muda tudo porém de fato não muda nada.
Deixa eu tentar me explicar com um exemplo, meu plano de longo prazo era fazer minha empresa, a Quave, forte e com meus amigos de longo prazo trabalhando ali comigo porém eu tinha todo o tempo do mundo então no meio do caminho fui ser CTO de uma startup com muito potencial onde um dos founders tinha dado um excelente match comigo e ainda no setor que atuo direta e indiretamente fazem muito anos: educação.
Agora vamo analisar a situação: o câncer, ou melhor, a notícia do câncer. A notícia não mudou nada. Era mentira que eu tinha todo tempo do mundo, eu poderia morrer a qualquer momento, de várias forma, como ainda posso e você também.
Porém a notícia de um câncer muda tudo porque ela torna tangível a morte e a nossa finitude. Além disso ela nos cobra respostas diárias. Vamos para mais exemplos:
- Você vai mesmo trabalhar nisso? Sábado? De manhã?
- Se hoje fosse seu último dia de vida, você faria isso?
- Você vai mesmo responder que está ocupado para o seu amigo?
- Você vai mesmo perder o jantar em um dia especial com a sua esposa?
Todas essas perguntas passavam pela minha cabeça diariamente porém a notícia do câncer é bizarra, ela aumenta a potência dessas perguntas em uma proporção absurda e tudo passa a ser passível de questionamentos.
Mas enfim, e de prático o que essa notícia me trouxe?
-
Depois de quase 10 anos é a primeira vez que estou 100% na Quave;
-
Após muitos anos de espera finalmente tenho um grande parceiro ao meu lado na Quave, o Rafa Braga;
-
Outro acordo de cavalheiros foi honrado e tenho o melhor Designer que conheço na Quave também, o Adrian;
-
E outros amigos e excelente profissionais estão chegando, eu tenho certeza. E é claro, já tenho outros excelentes profissionais comigo pois sempre estamos conhecendo e nos aproximando de mais pessoas incríveis ao longo da vida.
Mas e a vida pessoal? Por que você fala tanto de trabalho?
Vamos lá, bom, primeiro, que falo tanto de trabalho porque estou aqui nessa newsletter e não acho que você quer saber muito da minha vida pessoal, e se quiser, se lascou, não me exponho tanto assim, mas já que estamos falando de algo super pessoal, câncer, bora lá:
-
Por anos minha esposa teve que esperar porque eu tinha reuniões e coisas não tão importantes somente porque era trabalho. É algo que hoje tento não fazer mais, é claro que estou longe de ser perfeito, mas tenho certeza que pelo menos em aniversários de casamento vou conseguir ter tempo (acontecimento real / piada interna rs);
-
Minha família próxima também, em muitos momentos cheguei correndo para ver um jogo com meu pai ou para algum encontro de família. Hoje tenho conseguido ter mais tempo para isso e muitas vezes não são tempos naturais, que acontecem, pelo contrário, eu preciso forçar para que eles aconteçam, o maior exemplo disso é o tempo que passo com a Monalisa, minha sobrinha;
-
Amigos: como tenho passado tempo com meus amigos. Criamos algumas rotinas juntos: beach tênis, Michelito, Matchori, tereré, churrasco e por aí vai. No final são apenas desculpas para termos momentos juntos.
-
Saúde: essa parte eu já vinha mudando antes do câncer e acredito que foi fundamental. Fiz uma cirurgia grande no pescoço e a recuperação foi excelente muito provavelmente pelo fato de eu estar bem fisicamente.
Mas quero deixar algo muito claro aqui: o câncer recalibrou meu senso de urgência, meu senso de prioridade e do que realmente eu quero fazer a cada dia da minha vida.
Falar "não" ficou muito mais fácil porém não se engane, eu gosto muito de trabalhar, é um prazer trabalhar com as coisas que trabalho hoje e eu não vejo problem algum nisso, mesmo aos finais de semana (estou escrevendo esse texto sábado, 10:08 da manhã, no meio de uma viagem e tenho o casamento de um grande amigo daqui a pouco. E pra mim escrever esse texto é trabalho).
Minha auto-crítica foi aos momentos que trabalhei em coisas inúteis ou que priorizei de forma errada porém aos sábados e domingos eu amo trabalhar pela manhã e é muito provável que eu continue fazendo assim.
Cada um deve fazer o que gosta e gastar tempo com o que gosta, seja trabalho, seja hobby ou seja ócio. Não cabe a mim julgar e não estou nem aí para o que os outros pensam de como gasto meu tempo.
O meu alerta aqui e acho que é a única coisa que você pode tirar desse texto é:
- Se você recebesse a notícia de um câncer hoje, o que você faria? Continuaria com as mesmas atividades? Continuaria com os mesmos amigos? Continuaria frequentando os mesmos lugares?
Aprendi uma frase não fazem muitos anos e tento sempre pensar nela quando vou decidir onde ir: "Vá nos lugares que você é celebrado e não onde é tolerado.".
Ah, quase ia esquecendo, por que estou escrevendo isso hoje?
Ontem recebi o resultado do último exame que fiz para checar como andam as coisas 1 ano após a cirurgia e todos os indícios são positivos, ou seja, parece que não tenho mais células malignas.
Eu digo parece pois sei que pode voltar e se voltar vamos batalhar de novo e vida que segue. Talvez aconteça uma nova recalibragem mas a vida não vai parar. O câncer não vai me parar.
Quando meu pai morreu eu falei uma frase que até hoje carrego comigo e repito muitas vezes: "eu odeio a morte". Não sou amigo da morte e nem flerto com ela. Não estou nem aí para a morte. Quando chegar o momento todos nós vamos morrer então para que perder tempo com a morte? O meu compromisso é com a vida.
Quero viver da melhor forma possível, aproveitando tempo com as pessoas que amo e tornando a vida de outras pessoas melhores.
Uma das formas mais efetivas para melhorar a vida das pessoas nos tempos atuais é a tecnologia e por isso eu trabalho com código: É uma excelente ferramenta para resolver problemas.
E pra fechar: o câncer é uma péssima notícia pra quem recebe porém acredito que afeta muito mais quem está próximo do que o afetado em si.
Alguns acham que sou "meio robô" mas eu encarei o câncer de uma forma muito racional, confiando nos médicos (excelentes por sinal: Dra. Luciana Secchi e Dr. Rafael Susin, muito obrigado pela dedicação de vocês) e nas probabilidades então pra ser honesto ele me trouxe mais ponderações sobre a vida do que tristeza propriamente dita.
Foram dias e meses difíceis lá em casa, especialmente para a Lu, minha esposa, então dedico esse texto a ela. Se a doença fosse com ela tenho certeza que para mim teria sido mais difícil, o sentimento de impotência deve ser horrível e a espera uma agonia sem fim. Obrigado por estar sempre ao meu lado meu amor, te amo muito e sempre estaremos juntos, com câncer ou sem câncer.
Bom, você deve ter percebido que usei a palavra câncer muitas vezes né? Sabe por que? Porque eu não tenho medo de palavras e acho que está na hora da gente trazer assuntos pesados para a mesa e conversarmos abertamente.
Lá em casa temos papos sobre suicídio, depressão, câncer, morte e outros tópicos que são tabu e espero que esse texto te encoraje a falar sobre isso com seu parceiro e amigos próximos.
Abraço e aproveite quem você ama. Eles não duram pra sempre e nem você.